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terça-feira, 26 de janeiro de 2016

A poesia de Florbela Espanca

Mistério

Gosto de ti, ó chuva, nos beirados,
Dizendo coisas que ninguém entende!
Da tua cantilena se desprende
Um sonho de magia e de pecados.

Dos teus pálidos dedos delicados
Uma alada canção palpita e ascende,
Frases que a nossa boca não aprende,
Murmúrios por caminhos desolados.

Pelo meu rosto branco, sempre frio,
Fazes passar o lúgubre arrepio
Das sensações estranhas, dolorosas…

Talvez um dia entenda o teu mistério…
Quando, inerte, na paz do cemitério,
O meu corpo matar a fome às rosas!

(Florbela Espanca)

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

PERMITA-ME...!!!

 Jean Carlos Gonçalves

Permita-me...!!!
Que no umbral da eternidade,
Da minha finitude, eu exista!
Deixai que minha imperfeição se apresente.
E, assim, desnude qualquer engano.

Permita-me...!!!

Que, em cada brinde,
O vinho revele minhas incongruências,
Ou desmascare a representação de Semideus
Que tu fizeste, inocentemente, de mim.

Permita-me...!!!

Que nossos olhares,
Cumprimentos e afagos...
Abraços compartilhados, 

Sob o teu olhar de censura,
Assumam outro sentido.

Permita-me...!!!

Ao menos, um único olhar...
Apenas um, eu suplico!
Um único olhar teu...
Um olhar de tua face pelo espelho da minha...

Permita-me...!!!

Que eu não seja mais:
O meu próprio algoz, 

Carrasco contumaz
Do insuportável fardo:
Arquiteto de meu próprio holocausto.

Permita-me...!!!

Que eu continue urgindo
Pela minha absolvição
Para que eu não submerja o encanto
Da necessidade de teu perdão.

Permita-me...!!!

Que eu não sinta desonra da minha culpa,
Que eu continue acreditando na minha humanidade.
Deixa eu não ser tudo aquilo, lembras?
Que tu gostarias ou acreditavas que fosse.


(Jean Carlos Gonçalves)