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quarta-feira, 6 de julho de 2022

Nas Praias do Cuman / Solidão - Maria Firmina dos Reis

Aqui na solidão minh'alma dorme;
Que letargo profundo!... Se no leito,
A horas mortas me revolvo em dores,
Nem ela acorda, nem me alenta o peito.

No matutino albor a nívea garça
Lá vai tão branca doudejando errante;
E o vento geme merencório - além
Como chorosa, abandonada amante.

E lá se arqueia em ondulação fagueira
O brando leque do gentil palmar;
E lá nas ribas pedregosas, ermas,
De noite - a onda vem de dor chorar.

Mas, eu não choro, lhe escutando o choro;
Nem sinto a brisa, que na praia corre:
Neste marasmo, neste lento sono,
Não tenho pena; - mas, meu peito morre.

Que displicência! não desperta um'hora!
Já não tem sonhos, nem já sofre dor...
Quem poderia despertá-lo agora?
Somente um ai que revelasse - amor.

[ CANTOS À BEIRA MAR, São Luís do Maranhão, 1871, pags. 177-178 ]

Maria Firmina dos Reis: vida, obra e curiosidades sobre a escritora

 Maria Firmina dos Reis foi uma escritora negra considerada a primeira romancista brasileira. Nasceu no Maranhão, em 11 de março de 1822.

Arte de Antonio Hauaji/ MultiRio sobre selo comemorativo da Academia Maranhense

Sua obra Úrsula é precursora da temática abolicionista na literatura do país. O romance é considerado, ainda, o primeiro no gênero a ser publicado por uma mulher negra em todos os países de Língua Portuguesa.

Maria Firmina denunciou a condição crítica e o cenário de desigualdade vivido pelos escravizados e pelas mulheres no século XIX.

Foi professora, poeta, compositora e colaboradora de jornais do Maranhão, numa época em que a educação feminina era restrita aos cuidados com a casa e com a família.

Como educadora, fundou uma escola mista (para meninos e meninas) no Maranhão, a primeira do estado e uma das primeiras do país, no início da década de 1880.

Morreu aos 95 anos, pobre e cega, no município de Guimarães (MA). Em sua homenagem, no dia 11 de março é comemorado o Dia da Mulher Maranhense.

Até hoje, informações equivocadas sobre sua biografia e sobre sua imagem circulam em diferentes mídias.

Quem foi Maria Firmina dos Reis

Maria Firmina dos Reis nasceu em São Luís, capital do Maranhão. Sua mãe, Leonor Felippa dos Reis, foi uma escravizada alforriada. Seu pai, João Pedro Esteves, um homem de posses, sócio do Comendador Caetano José Teixeira — a quem sua mãe serviu.

A informação sobre a paternidade não consta no documento de batismo de Firmina, apenas na certidão de óbito, redigida no dia 11 de novembro de 1917.

Aos 5 anos, Maria Firmina ficou órfã e se mudou para a cidade de Guimarães, no interior  do  Maranhão, para viver na casa da tia materna. Lá, formou-se professora — não há informações sobre como foi essa formação — e, aos 25 anos, foi aprovada em um concurso público para lecionar Primeiras Letras.

Maria Firmina exerceu o magistério por muitos anos e recebeu o título de Mestra Régia. Na imprensa local, publicou poesia, ficção, crônicas e até enigmas e charadas.

Quando se aposentou, no início da década de 1880, fundou em Maçaricó a primeira escola mista do Maranhão, gratuita para os alunos cujos pais não tinham condição de pagar.

As atividades da escola acabaram sendo suspensas depois de dois anos e meio por causar grande polêmica na época. Afinal, era comum que meninos e meninas frequentassem turmas distintas.

Data de nascimento e outros equívocos sobre Maria Firmina

Retrato da escritora gaúcha Maria Benedita Bormann é equivocadamente associado a Maria Firmina dos Reis (Imagem: Wikimedia Commons/ Domínio público)

Maria Firmina nasceu no dia 11 de março de 1822, e não em 11 de outubro de 1825. A informação foi revelada apenas em 2017, pela pesquisadora Dilercy Aragão Adler, em Maria Firmina dos Reis: uma missão de amor, com base em documentos encontrados no Arquivo Público do Maranhão e até então inéditos.

O livro de Adler também esclareceu a condição social da mãe de Maria Firmina. Muitos sites e publicações referem-se à matriarca como sendo portuguesa ou apenas como “mulher branca”.

Outro equívoco sobre Maria Firmina diz respeito a sua imagem. Seu retrato é comumente associado à figura da escritora gaúcha Maria Bormann (foto), contemporânea a ela.


Úrsula: a principal obra de Maria Firmina

O romance Úrsula foi publicado em 1859. A história conta com protagonistas brancos, mas, pela primeira vez na literatura brasileira, personagens negros têm voz.

Na obra, africanos e afro-brasileiros refletem sobre as relações opressivas que enfrentavam em uma sociedade escravista e patriarcal. Por isso, este considerado, também, o primeiro romance da chamada literatura afro-brasileira.

O Navio Negreiro (1870), de Castro Alves, e A Escrava Isaura (1875), de Bernardo Guimarães, obras amplamente conhecidas no Brasil, foram publicados anos depois do romance de Firmina.

“Meteram-me a mim e a mais trezentos companheiros de infortúnio e de cativeiro no estreito e infecto porão de um navio. Trinta dias de cruéis tormentos, e de falta absoluta de tudo quanto é mais necessário à vida passamos nessa sepultura até que abordamos às praias brasileiras. [...] É horrível lembrar que criaturas humanas tratem a seus semelhantes assim e que não lhes doa a consciência de levá-los à sepultura asfixiados e famintos!”, recorda a africana Preta Susana, uma das personagens de Úrsula.

A condição da mulher na sociedade da época pode ser observada já no prólogo do romance, assinado com o pseudônimo “Uma Maranhense”.

"Sei que pouco vale este romance, porque escrito por uma mulher, e mulher brasileira, de educação acanhada e sem o trato e a conversação dos homens ilustrados, que aconselham, que discutem e que corrigem; com uma instrução misérrima, apenas conhecendo a língua de seus pais, e pouco lida, o seu cabedal intelectual é quase nulo."

Poesias de Maria Firmina e outras publicações

Reprodução do periódico A Imprensa, de 8 de agosto de 1860 (Fonte: BN Digital/ Domínio Público)

Além de Úrsula, a escritora escreveu outras duas narrativas de ficção e um volume de poemas. Também constam como sendo de sua autoria composições musicais reveladas pelo pesquisador José Nascimento Morais Filho. Confira.
 
Gupeva (1861)
Gupeva é um conto que trata da história do indígena de nome homônimo ao do título e de sua filha de criação, Épica. No enredo, a personagem se apaixona pelo marinheiro francês Gastão, mas descobre que ele é seu irmão - filho de sua falecida mãe com um conde francês.

O encontro entre Gupeva e Gastão torna-se um confronto entre Brasil e França, com um final trágico. A narrativa ocorre por meio de flashbacks, como outras de Maria Firmina, e foi publicada em capítulos na imprensa maranhense, com várias edições ao longo da década de 1860.
 
Cantos à beira-mar (1871)
O livro reúne 56 poesias e é dedicado à memória da mãe de Maria Firmina. A temática é variada. O mar e a praia estão presentes nas poesias, referência à cidade litorânea de Guimarães, onde a autora passou grande parte da vida.

A exaltação da terra e o nacionalismo, a desesperança e os amores não correspondidos, além da crítica velada contra a opressão patriarcal são outros temas presentes nas poesias.

A Escrava (1887)
No conto, publicado na Revista Maranhense, a autora assume uma postura crítica ao escravismo e dá voz à mulher abolicionista e à mulher escravizada. Descreve o sofrimento por castigos físicos, pela falta de liberdade e, principalmente, pela separação entre mães e filhos.

Escultura criada pelo artista plástico Flory Gama a partir de retrato falado colhido pelo biógrafo da autora. Atualmente, a obra está no Museu Histórico e Artístico do Maranhão (Foto: Ramses Santos/ Wikimedia Commons)

A narrativa tem início em um salão com pessoas distintas da sociedade que, entre outros assuntos, discutem a questão da servidão.

“Por qualquer modo que encaremos a escravidão, ela é, e sempre será um grande mal. [...] O escravo é olhado por todos como vítima – e o é. O senhor, que papel representa na opinião social? O senhor é o verdugo – e esta qualificação é hedionda”, diz um trecho da obra.

Verdugo: Indivíduo que executa a pena de morte ou outros castigos corporais; algoz, carrasco, executor. Pessoa cruel, que inflige maus-tratos a alguém. Hediondo: Que é considerado desprezível ou ignóbil, do ponto de vista moral; abjeto, depravado, sórdido.
Fonte: Dicionário Michaelis On-line.
 
- Composições musicais
Firmina foi autora de sete composições com letra e música, entre elas Auto de Bumba-meu-Boi e Hino à Liberdade dos Escravos.

A informação foi revelada pelo pesquisador José Nascimento Morais Filho, com base em relatos orais de contemporâneos da escritora maranhense.

No hino sobre a abolição da escravatura, dizia: “Quebrou-se enfim a cadeia/ Da nefanda Escravidão!/ Aqueles que antes oprimias/ Hoje terás como irmão!.”

Homenagens no Maranhão e reconhecimento gradativo no Brasil

Maria Firmina dos Reis faleceu em 1917. Em sua homenagem, no dia 11 de março é comemorado o Dia da Mulher Maranhense.

Maria Firmina vem ganhando reconhecimento por parte da sociedade brasileira nos últimos anos, embora tenha ficado esquecida por aproximadamente um século. Em 2017, por ocasião do centenário da morte da autora, seus livros foram relançados.  
 

Matéria publicado no portal: http://multirio.rio.rj.gov.br/index.php/reportagens/16721-maria-firmina-dos-reis-vida,-obra-e-curiosidades-sobre-a-escritora <acesso em 05/07/2022.

Fontes:

Literafro - O portal da literatura Afro-Brasileira. Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais. Maria Firmina dos Reis.  
Fundação Biblioteca Nacional. Maria Firmina dos Reis, primeira autora brasileira.
CRUZ, Mariléia dos S.; MATOS, Érica; SILVA, Ediane. “Exma. Sra. d. Maria Firmina dos Reis, distinta literária maranhense”: a notoriedade de uma professora afrodescendente no século XIX. Feusp / Univ. Autònoma de Barcelona, 2018.
REIS, Maria Firmina dos, 1825-1917. Úrsula e outras obras [recurso eletrônico] / Maria Firmina dos Reis. – Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2018.
SANTOS, Carla Sampaio dos. A escritora Maria Firmina dos Reis : história e memória de uma professora no Maranhão do século XIX. Unicamp – Campinas, SP: 2016.
SIMÕES, Bárbara. A escrita de Maria Firmina dos Reis: Soluções para um problema existencia. Programa Nacional de Apoio à Pesquisa, 2012. Fundação Biblioteca Nacional, Ministério da Cultura.
ZIN, Rafael Balseiro. A Dissonante representação imagética de Maria Firmina dos Reis: da simples denúncia às formas encontradas para se desfazer os equívocosEstudos Linguísticos e Literários/ Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2018.
Blog A Arte literária, do escritor e pesquisador Sérgio Barcellos Ximenes.

terça-feira, 5 de julho de 2022

Maria Firmina dos Reis

Maria Firmina dos Reis é considerada uma das primeiras mulheres brasileiras a escrever um romance e também a primeira escritora negra de nosso país. Seu romance, Úrsula, publicado pela primeira vez em 1859, é também um precursor da literatura antiescravista e da produção literária negra no Brasil, ou seja, da literatura que aborda o tema da negritude a partir da perspectiva do próprio negro. Obra e autora ficaram por muitos anos esquecidos e apagados do cânone nacional: embora Maria Firmina tenha recebido homenagens à época de sua publicação, estas não alçaram, até hoje, os devidos reconhecimentos e méritos.

Dona de uma primorosa expressão literária e de uma biografia comprometida com a luta por direitos e equidade educacional, Maria Firmina dos Reis é uma grande pioneira na literatura e na história nacionais.
Biografia de Maria Firmina dos Reis

Maria Firmina dos Reis nasceu na Ilha de São Luís (MA), em 11 de março de 1822. Filha de pai branco e mãe negra, recebeu um registro paterno fraudulento e passou boa parte de sua vida na casa da tia materna, que tinha melhores condições materiais. Foi também na casa dessa tia que Firmina tomou contato com as referências culturais que a encaminharam para o trabalho com as letras e com a educação.

Em 1847, foi a primeira mulher a ser aprovada em um concurso público no Maranhão. Tornou-se professora, ocasião em que se recusou a desfilar em um palanque nas costas de escravizados pelas ruas de São Luís. A postura antiescravista foi uma tônica que atravessou sua vida e obra, embora, à época, fosse difícil para uma mulher manifestar sua opinião a respeito da escravatura – para uma mulher negra, isso era praticamente impensável.

O prestígio alavancado por sua carreira na docência foi o que possibilitou a publicação do romance Úrsula, em 1859, assinado sob o pseudônimo “Uma maranhense”. Maria Firmina foi professora da Instrução Pública maranhense até sua aposentadoria, em 1881, quando passou a lecionar para os filhos de lavradores e fazendeiros no povoado de Maçaricó.

É dela o mérito da fundação da primeira escola mista e gratuita do Brasil, nesse mesmo ano de 1881, escandalizando o povoado de Maçaricó e sendo obrigada a fechar as portas da escola depois de dois anos e meio. Entretanto, a firmeza de sua reputação como docente era inegável: em 1880, obteve o primeiro lugar em História da Educação Brasileira, rendendo-lhe o título de Mestra Régia.

Além da docência, Maria Firmina foi compositora, folclorista e colaborou frequentemente com a intelectualidade e com a imprensa local, publicando com frequência em jornais maranhenses. Muito de sua obra não editada, no entanto, foi perdida ao longo dos vários anos de tácito esquecimento: depois de sua morte, o guardião de seus manuscritos, seu filho adotivo Leude Guimarães, teve os pertences roubados em um hotel – junto a eles se foi o que restara dos escritos da autora.
Maria Firmina dos Reis faleceu em Guimarães, em 11 de novembro de 1917, pobre e cega.

Contexto histórico

O século XIX correspondeu a um longo período de declínio da escravatura brasileira, cuja extinção em vias oficiais só se deu em 1888. A emancipação dos escravizados deu-se de maneira gradual, respondendo a pressões do mercado externo, cuja industrialização exigia uma mudança na força de trabalho, baseada em salários: a gênese do capitalismo financeiro. Para isso, o Império brasileiro, cuja independência com relação à metrópole portuguesa foi decretada em 1822, tomou medidas vagarosas e que não afrontassem diretamente os grandes latifundiários e o muito lucrativo comércio escravista.

Foi apenas em 1850 que entrou em vigor a Lei Eusébio de Queirós, que proibia no Brasil o tráfico de escravizados sequestrados das costas africanas. A legislação foi pouco eficaz, dando a possível origem da comum expressão “para inglês ver”, sinônimo de enganação: proibiu-se o comércio de escravizados em termos oficiais, mas os traficantes, latifundiários e fiscais frequentemente fraudavam as vistorias, de modo que a aprovação da lei não representou a automática extinção da prática.

Duas décadas depois, em 1871, o Império aprovava a Lei do Ventre Livre, que garantia alforria para os filhos de escravizados que nascessem a partir de então, embora coubesse ao “senhor de escravos” escolher em que momento daria alforria ao recém-nascido. Em 1885, aprovou-se a Lei dos Sexagenários, um termo oficial que surgiu como reação conservadora dos latifundiários escravocratas ao avanço do movimento abolicionista, pois previa alforria automática ao escravizado com mais de 60 anos, mas sob pena de indenização, paga em mais três anos de trabalho escravo.

A sociedade maranhense, por sua vez, via-se inserida no muito lucrativo comércio de escravizados desde 1755, quando se criou a Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão, movimentando sua economia a partir da monocultura de algodão e também do comércio de escravizados, servindo como grande porta de entrada para boa parte da mão de obra escrava do Norte da colônia.

O século XIX trouxe novos desafios para a economia maranhense, com as quedas do preço internacional do algodão. Moveram-se então produções de açúcar, que logo encontraram concorrência no mercado internacional: já na metade do século, as exportações açucareiras das Antilhas quebraram a produção maranhense, marcando os Oitocentos como um momento de grande decadência do sistema agroexportador no Maranhão.

Foi também um momento marcado por insurreições e revoltas, como a Setembrada, movimento que leva esse nome por ter se iniciado em setembro de 1831. De forte caráter antilusitano, a Setembrada era uma reação à abdicação de Dom Pedro I e levantava, na então província do Maranhão, a necessidade de se repensar a política do Brasil independente, exigindo a exoneração de portugueses em cargos de eleição popular, entre outras questões. Alguns anos depois, em 1838, levanta-se no Maranhão a revolta da Balaiada, cujo estopim foi o declínio da cultura algodoeira e os privilégios das elites em face da miséria do povo. Mais de três mil escravizados uniram-se a essa causa, dando um especial matiz racial (e abolicionista) ao movimento.
Características literárias de Maria Firmina dos Reis

Maria Firmina dos Reis é autora de uma literatura crítica: sua produção é atravessada pelas questões raciais e de gênero. Há um fio condutor político que norteia seus escritos ficcionais, de modo que suas personagens expressam a consciência libertária da autora. Não são ausentes as características em comum com o Romantismo: nas obras da autora, também têm lugar a exaltação da natureza e o indianismo. Mas a beleza da pátria é realçada para depois ser contrastada com as agruras oficializadas da situação do cativeiro. E não há idealização nacional ou amorosa, mas descaminhos, desilusões e uma forte crítica social.

Maria Firmina utilizou-se da característica romântica do amor idealizado como mecanismo para desviar a atenção do patriarcalismo escravocrata imperial das questões que vibravam nas entrelinhas de seu texto, a saber, a condição das mulheres e dos escravizados no território nacional.

Como autora negra, Maria Firmina apresenta à literatura brasileira uma proposta até então ignorada: a representação do escravizado humanizado e do opressor animalizado, em franca solidariedade com os cativos. Além disso, a autora coloca como protagonistas a mulher e o negro, a partir de uma condição biográfica próxima das personagens de seus escritos ficcionais, diferentemente da literatura do período, sempre centrada na masculinidade e na branquitude, onde mulheres e negros eram abordados a partir do ponto de vista do colonizador.
Obras de Maria Firmina dos Reis

Boa parte dos manuscritos e obras não editadas da autora não sobreviveu ao passar dos séculos. Sua obra de estreia é o romance Úrsula, de 1859. A ele se sucedeu o conto Gupeva, romance brasiliense, em 1861; o livro de poemas Cantos à beira-mar e o conto A escrava, de 1887. Também é de autoria de Maria Firmina dos Reis um hino em louvor à abolição, o “Hino da Libertação dos Escravos”.

Gupeva, romance brasiliense foi publicado em forma de folhetim pela primeira vez entre outubro de 1861 e janeiro de 1862, no semanal O Jardim dos Maranhenses. É uma narrativa épica de caráter indianista que se dedica a pensar o lugar do indígena na sociedade brasileira, bem como o mito da fundação da nação brasileira.

Cantos à beira-mar (1871) traz um apanhado da obra lírica da autora, destacando-se sua constante sensibilidade, inquietude e enfrentamentos à sociedade patriarcal e escravocrata dos Oitocentos.

Já A escrava, conto publicado pela primeira vez na Revista Maranhense, em 1887, então às vésperas da oficialização da abolição da escravatura, representa um auge na maturidade intelectual da autora. A narrativa é centrada no debate entre abolicionistas e escravocratas, iniciando-se já com um ataque direto à Igreja Católica, até então favorável à escravidão, mostrando as discrepâncias entre os ideais da fé e as práticas da instituição.
Úrsula
Folha de rosto da primeira edição do romance Úrsula, publicado em 1859, principal obra literária de Maria Firmina dos Reis.
Obra de maior destaque da autora, foi publicada pela primeira vez em 1859, em São Luís (MA). A epígrafe do livro leva os seguintes dizeres: “A mente, esta ninguém pode escravizar.”, adiantando a temática que permeia todo o romance.


Escrito em terceira pessoa, em desdobramentos lineares dos acontecimentos, Úrsula tem início com o encontro entre Túlio, um jovem negro escravizado, e Tancredo, um rapaz branco. Túlio salva a vida de Tancredo, algo pouco usual para a época, e do sentimento de gratidão do rapaz salvo passa a nascer uma amizade mútua. A construção da personagem de Túlio é uma franca crítica ao caráter desumanizador e degradante da escravidão: na direção contrária da intelectualidade eugenista da época, que pintava o negro como exemplar de uma raça inferior e destituído de civilidade, Maria Firmina mostra Túlio como um rapaz de moral superior, cujo maior problema é lidar com a adversidade da sociedade escravocrata.

úlio encaminha Tancredo para ser tratado em casa de seus senhores, e lá tem início o principal triângulo amoroso da narrativa: Tancredo apaixona-se por Úrsula, que é desejada também por seu tio, o Comendador Fernando P., um grande vilão, retrato de todos os males terrenos.

À moda dos folhetins românticos, o embate do triângulo amoroso ocupa o papel central, mas nesse caso serve como subterfúgio para que a autora conduza as discussões que realmente lhe interessam, por meio de encaixes de pequenas histórias nas quais outras personagens narram reminiscências de suas vidas, com destaque especial para Mãe Susana, que conta como sobreviveu aos porões dos navios dos “caçadores de almas” e à vida em sua pátria antes de ser sequestrada e escravizada.

FONTE:https://www.portugues.com.br