Pesquisar este blog

sábado, 28 de março de 2020

Um lampejo de memória

Por Jean Carlos Gonçalves.
Elenco do Atalanta de Tuntum, na temporada 1999.

     Em pé (da esquerda para a direita): Técnico Baiano. Jogadores: Lydyogley, Jean Carlos, Zé Nildo, Fabinho, Valdenes, Maurício, Toinho, Zoni e Rivaldo. Agachados: Manelinho, Francisco, Cleones, Geofran, Edmilson, Silvinho e Remi.

     Um álbum empoeirado na estante, começo a folhear as páginas me deparo com uma velha fotografia, por um instante me desprendo do presente, viajo no tempo... O ano é 99, precisamente a 28 de março de 1999. É dia de final do campeonato municipal relativo ao certame de 1998. Aos 14 minutos do primeiro tempo a explosão nas arquibancadas do velho estádio, lotado em sua capacidade. Ah! Velho cenário, de tantas glórias... Nunca havia marcado naquela arena. Aconteceu justamente, no dia em que a alegria seria momentânea, pois perderíamos o jogo de virada pelo placar de 2x1, para o arqui-rival São Raimundo.

      A fotografia acima retrata o elenco do Atalanta Futebol Clube na partida da semi-final entre Atalanta e Vila Nova (4x1 em favor do primeiro) no domingo que antecedeu a grande final, acima destacada. O aludido elenco participou dos campeonatos de 1998 e 1999. Maior parte desses jogadores formou a base do time do campeonato de 2000. Além dos jogadores que aparecem na imagem, também fazia parte do grupo o talentoso meia Alexandre do Bacabal que estava suspenso para essa partida e o Chiquinho, que se encontrava lesionado.

       Continuo a buscar nos arquivos de minha memória, as cenas, os personagens, protagonistas e coadjuvantes, destaques e anônimos daqueles tempos áureos de nosso majestoso futebol. Fico rememorando os momentos de fulgor, reflexos de pura alegria que de forma tão marcante e que exercia tamanho poder de influência em nossos comportamentos, sociabilidades, no cotidiano. Mesmo com os antagonismos, as rivalidades entre as grandes agremiações locais, que por vezes deixavam os ânimos acirrados... Como éramos felizes e só nos damos conta disso agora.

    De repente, embora envolto na minha memória, retorno ao presente e começo a comparar o que se tinha e o que se tem com relação ao futebol local, percebendo que existem muito mais diferenças do que semelhanças. Fico pensando, refletindo, dividido entre a nostalgia do passado e a lamentável situação de hoje.

       Isso fica evidente, na crise, ou mesmo, perda de identidade que passa o nosso futebol (para ser generoso, pois os adjetivos adequados seriam outros menos afáveis) e a para falar de falta de ações efetivas para resgatar o brilho, a magia, o fascínio de uma das manifestações culturais de nossa terra.

       A crise atual não encontra resistência concreta. Isso é fato. Mas o que poderia ser feito diante do descaso, da desorganização e da descredibilidade constatada nos últimos campeonatos realizados?

     O segmento governista, motivado por seus interesses, ou o senso comum, cuja visão não-crítica compromete por demais a compreensão da realidade, pode até refutar tal ponto de vista e argumentar se utilizando dos patrocínios da Prefeitura Municipal, das premiações, da construção do novo estádio, dentre outros. Entretanto, que fique claro: As medidas adotadas atualmente são totalmente despidas, da espontaneidade, do encanto daqueles certames realizados no estádio paroquial Dom Adolfo Bossi.

        Ah! O ESTÁDIO DOS PADRES! Que nostalgia!

     Saudade de uma época em que a população desportista, tinha nas tardes de domingo o seu programa favorito. Antigo palco, onde a torcida se maravilhava com as belas jogadas dos nossos craques do passado, Expedito Pé de Ouro, Walber, Celino, Eba, Dejó, e tantos outros. Mas também de figuras folclóricas como Osano Saraiva, Inácio, Lourdes (a mão do jogador Fiúsa), pessoas cuja irreverência perdeu a originalidade, o sentido, que abrilhantava as arquibancadas ou seu “lugarzinho sagrado” atrás da trave da entrada e hoje sobrevive apenas em nossos lampejos de memória, talvez a única forma de resistência ante a falta e/ou ineficiência de eventos esportivos, que quando realizados, são exclusivamente utilizados como mecanismo ideológico, de cunho propagandístico, pelo governo local, e, aliás, nem pra tal fim, tem alcançado êxito.

       Cabe enfatizar: a “política futebolística implementada” é um desrespeito para com a população desportista, com a tradição do melhor futebol da região central do Maranhão. Competições sem graça, sem empolgação. Um estádio novo, cujo projeto foi executado de forma duvidosa, desprovido de drenagem, que não resiste a qualquer chuva mais demorada.

    Portanto, que fique registrado nossa indignação, e se no momento nós insatisfeitos com a organização do futebol tuntuense não reunimos condições para oferecer uma alternativa ao modelo atual, utilizemos então, pelo menos, a memória para criticar, refletir e analisar a condição atual, a nossa realidade. 
        Afinal, eis aí o grande papel da história.

sexta-feira, 27 de março de 2020

Um tributo à Delvito de Santa Filomena dos Arapuás

Por Jean Carlos Gonçalves*
Delvito Gomes da Costa, o Delvito de Santa Filomena dos Arapuás
    Eis que surge um clarão na floresta pelos idos da penúltima década do século XIX.
      Sob os auspícios de José Tibúrcio Feio, sertanista e desbravador de parte das terras, até então inóspitas do centro-maranhense, surge o lugar Santa Filomena, num 10 de agosto (1883?), data comemorativa da santa da Igreja Católica, de mesmo nome, daí a origem do topônimo.
    Ali chegaria, posteriormente, a convite do fundador, o sertanejo Costa Moreira, que posteriormente, traria para o lugarejo, os seus irmãos, Liberato Gomes da Costa e Esperidião Gomes da Costa, que viviam na Fazenda Saquinho do Arapuá no antigo município de Pastos Bons-MA, para também usufruírem da fertilidade do solo da “Zona da Mata do Japão”.
    Pouco tempo depois, o velho pioneiro, por desentendimentos com o próprio Costa Moreira, deixa a povoação, mediante pagamento pelas suas terras, cultivos e benfeitorias. Dali parte no sentido sudeste para encontrar uma enorme lagoa, estabelecendo-se nas suas imediações para novamente iniciar mais um núcleo de povoamento que de tanto prosperar, constituiu-se na vizinha cidade de São Domingos do Maranhão.
     Simultaneamente, Santa Filomena também cresceu e, se não prosperou econômica e socialmente na mesma proporção de São Domingos, viveu um crescimento vegetativo considerável, que permitiu-lhe uma dinâmica social própria, com a marca indelével dos Gomes da Costa, a célula nuclear da Família Arapuá.
       E ali, sob o patrocínio do Criador, o céu da então infanta Santa Filomena, assistiu no dia 14 de outubro de 1923, a chegada do primogênito do casal Orácio Gomes da Costa (filho de Liberato) e Francisca Alves de Oliveira, e, assim, cumprir o rito da fecunda natureza, naquela pequena povoação, cuja a população aumentava, especialmente, pela alta taxa de natalidade, própria daqueles tempos, e, produto do costume de enlaces matrimoniais entre os primos descendentes dos três irmãos patriarcas.
        Insurge à vida o filho rebento, cuja trajetória seria marcada por muitas curvas que a estrada da existência reservara-lhe, especialmente, para quem vivia num vilarejo praticamente isolado no seio da Mata, e, com tantas intempéries. Muitos foram os desafios, dilemas que exigiam tomadas de decisões, as quais foram orientadas pelas experiências acumuladas no labor diário, e assim, superar com sabedoria das dificuldades. 
       O infanto de fez um adulto em miniatura; o diamante rústico, se fez e foi feito um brilhante, valoroso e admirável Homem.
Durante sua infância e juventude, Delvito, não assistiu a existência de escolas e professores naquela comunidade esquecida pelas autoridades do Estado, conforme a matéria do periódico da capital maranhense, O Combate:

Nesta primeira carta (pois pretendo fazer outra) desejo a abordar a situação de Santa Filomena, vila próspera e produtora, pertencente ao Município de Curador (aliás Presidente Dutra).

Possue Santa Filomena mais ou menos 200 casas e na devida proporção mais ou menos seus 700 habitantes, com grande cultura de arroz e malva, e sem falar na grande quantidade de babaçu que produz.

Acontece que essa vila com mais de 200 crianças em idade escolar, não possue uma escola nem mesmo um professor leigo, estando essas crianças todas sem a mínima instrução apesar dos insistentes pedidos feito ao prefeito de Curador o sr. Ariston Leda, o qual responde sempre ser impossível nomear uma professora para aquele localidade. (O Combate, nº 04858, 19 de julho de 1949).

       Assim sendo, órfão de pai aos 12 anos, desde cedo Delvito, sem acesso a escola, teve que ajudar sua mãe, trabalhando na lavoura para ajudar na sobrevivência e educação de seus irmãos, Adolfo, Basiliano, além de Leó, Loda e Luís, filhos de outro relacionamento de seu pai, Orácio. Sua mãe, em segundo matrimônio, com Raimundo Ferreira, não teve filhos, entretanto, uniram num só lar, os filhos que o segundo esposo já tinha de um relacionamento anterior: Natalino, Vitor, Bento, Leão, Lídia, Manuel, formando assim, uma numerosa família.
Delvito e seu sobrinho Basiliano, filho de Basiliano, irmão de Delvito.
       Em 1942, Delvito desposa a jovem Odorina Pereira da Costa, com quem teve numerosa prole: Maria Aparecida, Valeriano, Cristiano, Aldy, José Américo, Corina, José, Raimunda, Gedom, Raimundo Nonato, Edson, Edila, além de adotar Maria, Célia e Francildo. Estes lhes presentearam com 41 netos, 49 bisnetos e 5 trinetos.
Delvito e parte de sua família por ocasião de seu aniversário de 90 anos, em 2013.
   Como bom sertanejo, Delvito, foi lavrador, e seguiu com excelência a saga de seus ancestrais dos “Caminhos do Gado” *, pois fora um abalizado vaqueiro, boiadeiro, pecuarista, que muito trabalhou, comprando, vendendo e conduzindo pessoalmente boiadas do centro-sul e do Maranhão em direção as praças de Pedreiras, Caxias, Codó e São Luís.  
    Desse modo, naturalmente, Delvito se tornou uma destacada personalidade, pois exerceu grande influência política no promissor povoado de Santa Filomena, que até 1943 quando pertenceu ao vasto território do município de Barra do Corda e passou ao domínio do município de Presidente Dutra (antigo Curador), e, posteriormente, quando Santa Filomena passou a pertencer aos domínios do município de Tuntum, quando de sua emancipação em relação a Presidente Dutra. Por aquela época, Delvito, embora jovem, assumiu um importante papel social, atenuando e apaziguando situações de conflitos. Sua residência era pouso para lideranças políticas do município de Tuntum, da região e do Estado, uma referência de fato, posto que dentre suas diversas virtudes a hospitalidade era uma de suas grandes marcas. Além de tudo isso, fora um grande colaborador para trazer obras e benefícios públicos para a comunidade, e, sobretudo um assistencialista junto ao seu povo.
Antônio Barbosa, ex-secretário de Obras municipal; Delvito; Hélio Araújo e; Gedom, filho de Delvito. 
Delvito e o Hélio Araújo, ex-prefeito de Tuntum (1983-1989)
    Em 1994, Santa Filomena desmembrou-se do município de Tuntum, Delvito já idoso continuou exercendo influência no jogo político local. Na Primeira eleição municipal, em 1996, apresentou seu filho Cristiano Pereira da Costa para concorrer a uma cadeira na Câmara Municipal, logrando êxito para o mandato de 1997-2000. No pleito seguinte, Cristiano compunha a chapa majoritária com o então prefeito Salomão Barbosa, que concorria à reeleição, obtendo mais uma vez sucesso nas urnas para o mandato de 2001-2004. Atualmente, a Presidente da Câmara Municipal é Belzarina Sousa Costa, que fora casada com o saudoso Valeriano Pereira da Costa, primogênito de Delvito, além da jovem vereadora Camila Pereira, sua bisneta e neta de Cristiano.
Delvito ladeado de seu filho Cristiano,  ex-vereador e ex-vice-prefeito de Santa  Filomena do Maranhão, falecido em 2017.
Ex- prefeito Salomão Barbosa e Delvito Gomes da Costa.
Genésio, sobrinho de Delvito; Carlos Adiel, poeta, cantor e compositor; Delvito e; Belzarina, Presidente da Câmara Municipal de Santa Filomena.

Delvito e sua bisneta e vereadora Camila Perreira Silva.
      Indubitavelmente, “Delvito da Santa Filomena” foi e continuará sendo referência no que concerne ao cultivo e conservação dos valores da família, do trabalho, da honestidade e da solidariedade. Desse modo, constata-se que viver para a família e servir à comunidade foram a sua grande causa, as razões que conferem o verdadeiro sentido à sua vida.
      No último dia 20 de março, a comunidade foi surpreendida com o encerramento de sua longa trajetória de mais 96 anos de relevantes serviços prestados e de uma voz ativa que com simplicidade e dignidade, sempre se insurgiu ante as necessidades, os interesses da comunidade e o bem-estar dos filomenenses.

Delvito ao lado do Prefeito Idan Torres, seu sobrinho, no ritual de inauguração da ponte Cristiano Pereira da Costa, em dezembro de 2017. 
     Não seria nenhum exagero se em sua lápide tumular fizerem algo semelhante a seguinte inscrição:

“Aqui jaz, os restos mortais de Delvito Gomes da Costa.
Silenciou-se sua voz, mas permanece sua história e o seu legado de trabalho, honestidade, honradez, solidariedade e hospitalidade, posto que, personificou neste plano o que o povo filomenense e a família Arapuá tem e oferece de melhor.”

    Em nós, Devito Gomes da Costa, o Delvito de Santa Filomena, sempre viverá!!!














Todos os direitos reservados ao autor. Lei de Direitos Autorais – Lei nº 9.610/98.
Citação deve ser: GONÇALVES, Jean Carlos.

_______________________
*Natural de Graça Aranha-MA (1979) , é professor de História efetivo na rede de estadual do Maranhão (desde 2010), lotado no município de Tuntum, onde reside desde 1987. Desde 2001, também é professor efetivo do município de Santa Filomena do Maranhão (desde 2001).