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domingo, 29 de julho de 2018

PRECISO DE UMA MÁQUINA DO TEMPO


Jean Carlos Gonçalves 
Preciso...
Preciso de uma máquina
Uma maquina do tempo
Para do tempo não ser refém
E controlar seu movimento

Preciso...
Preciso regressar aos idos
Cortejar seres fantásticos
Enfrentar monstros vorazes
Resgatar heróis silenciados 

Preciso...
Preciso descer às masmorras 
Transpor as ditas, intransponíveis grades 
Romper grilhões degradantes
E ouvir mudas vozes 

Preciso...
Preciso alçar muros
Escalar velhas montanhas
Para de seus cumes mirar
Os adormecidos nos vales sem sombras

Preciso...
Preciso sacudir a poeira 
Das prateleiras da memória
Desnuda-la e nunca estaciona-la
Em qualquer estação inglória

Preciso...
Preciso abrir o álbum da família 
Apreciar cada fotografia
Fazer a leitura das não palavras
Embora com doses de fantasia.

Preciso...
Preciso fazer emergir os aterrados
Inominados protagonistas anônimos 
Para conferir-lhes lugar
Num teatro sem figurantes.

Preciso...
Preciso de revisitar o passado 
Para respirar justiça,
Garantir memória à posteridade
E dar sentido à vida.

Então,
Preciso!
Preciso de uma máquina do tempo!!!

(Jean Carlos Gonçalves)

sábado, 28 de julho de 2018

De Graça Aranha à Tuntum - A chegada.

Por Jean Carlos Gonçalves
O sol ainda a pino, escaldante, fazia rolar pelo o rosto, gotas de suor que atingiam ardentemente os olhos, estado não tão desagradável quanto a dor da partida de horas antes.

Sensação que já havia sido amenizada durante o trajeto da viagem, pela paisagem, muito embora, as "camadas" de ventos quentes na estrada de asfalto cumprissem a missão de não permitir que esquecesse aquela angústia da partida.

Passavam das 14:00 h, quando a D-20 do amigo Crézio, como numa espécie de carro batedor, adentrara a cidade, orientando sobre o percurso para o caminhão da mudança.

Pelas ruas, os transeuntes e residentes sentados às suas portas observavam atentamente, na proporção da lentidão dos veículos, como em câmera lenta, e mesmo sem nenhuma palavra, não foi difícil perceber a curiosidade ou mesmo a perplexidade devido a nossa chegada.

Não porque era raro assistirem a uma mudança, ao contrário, em 1987 era comum se deparar com carradas de mudanças pelas ruas da cidade. Pois devido a construção da Barragem do Rio Flores, centenas de famílias atingidas por suas águas foram obrigados a deixar as povoações do norte do município, especialmente, do Alto do Coco, até então, o maior povoado de Tuntum-MA (mais de 2 mil habitantes), e, que ficou reduzido há uma dezena de habitações. A admiração dos espectadores de nossa chegada consistia justamente por fazermos o sentido contrário, pois enquanto muitas famílias chegaram à cidade vindas da zona rural ou partiam para outros municípios, nós chegávamos para morar, em movimento oposto.

Quando chegamos à rua Eugênio Barros e os veículos estacionaram em frente ao casebre de n° 262, meu tio Elesbão que havia chegado há décadas, estava nos aguardando, além de alguns parentes e dos novos vizinhos, num evidente gesto de boas-vindas, expressos em palavras, abraços e afagos. Como foi boa a acolhida...!!! Tanto que fez esquecer momentaneamente, a tristeza da partida de Graça Aranha. 

Enquanto o pessoal descarregava os últimos móveis, meu pai chamou o Crézio e o seu Zé Gomes, nossos ex-vizinhos de Graça Aranha, proprietários dos carros e muito amigos, para pagar-lhes o transporte da mudança. Os mesmos responderam-lhe:

"O Sr° não nos deve nada, Seu Martinho. Basta a nossa indesejada separação".

Lembro que tais palavras levaram meu velho pai às lágrimas, e causando em todos um profundo silêncio que, posteriormente, fora interrompido com cumprimentos de despedida, momento em que alguns sorrisos contagiaram o ambiente.

Entretanto, logo uma tensão toma conta de meus pais: A casa estava sem instalação elétrica e nas torneiras, nenhuma gota d'água. A questão da eletricidade, fora logo resolvida. Meu pai trouxe de Graça Aranha dois pedreiros. Um deles, o Jó, era polivalente, de tudo sabia um pouco e antes do anoitecer todos os cômodos da casa contava com luz elétrica.

Quanto a questão da água, logo nos apresentaram a Mucuíba, uma fonte d'água natural localizada no final da rua 12 de setembro, no sentido do Centro para bairro Vila Mata, e que socorria a população dos arredores e da maioria do Tuntum de Baixo (O Centro). Numa época que a falta de abastecimento de água potável nas residências da cidade eram mais constantes e a Mucuíba fornecia água para praticamente tudo: cozinhar, lavar, tomar banho e, no nosso caso, para os pedreiros reformarem a casa.

Era uma penitência, uma romaria, uma cruzada em busca do substancial maná: adultos, homens, mulheres, idosos e crianças disputavam os espaços e ao redor da fonte uma verdadeira guerra de baldes e outros recipientes. Muitas vezes caiam ao fundo e tínhamos que descer alguns metros para recuperá-los. Eu mesmo desci diversas vezes, pois contava apenas 8 anos e era magricelo, o que facilitava a descida ao fundo do manancial. Como prêmio enchiam meu pequeno balde, que alçava à cabeça e saia cambaleante para subir aquela inclinada ladeira.

Lata d'água na cabeça. Carlos Alberto Marques - COMLURB
Técnica: Lápis sobre papel com aguada de café
Dimensões : 29,7 x 42 cm

E nas idas e vindas, subidas e descidas daquela memorável ladeira, durante e após cada missão cumprida, batia a tristeza por lembrar da terrinha natal, fartura d'água, das mangueiras e bananais...

Dali, entretanto, do alto do aclive, tal qual o marujo posto na cesta da gávea (no caralho*) como castigo, que avistei o riacho e, à beira, um campinho de areia...

E a partir daí...

Bebi da água da Mucuíba, 
Dela carreguei incontáveis baldes, 
Banhei na cacimba da Purdência, 
Joguei bola na beira do riacho, 
Dele fiz meu mar de inocência
Onde realizei épicas aventuras 
Que hoje de mim faz refém
Das mais desejadas lembranças.

(Jean Carlos Gonçalves)


Caralho* - Local destinado aos marinheiros nas antigas naus no tempo de cabral. Era um local no alto do mastro do navio onde o marinheiro poderia observar se havia terra à vista. Local de castigo de marujos indisciplinados. Daí a expressão"vá pra casa do carálho!".
Pequena cesta que se encontrava no alto dos mastros das caravelas, de onde os vigias analisavam o horizonte em busca de inimigos ou sinais de terra.