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quinta-feira, 29 de setembro de 2016

UMA COMPARAÇÃO ENTRE A BASTILHA E O CARANDIRU

A PRISÃO DO ANTIGO REGIME


"[...] Quadros sobre a queda e demolição da Bastilha invariavelmente a mostram mais alta do que de fato era. A maior torre não ultrapassava uns 22 metros, porém Hubert Robert, especialista em grandiosidade de ruínas, conferiu-lhe dimensões babilônicas. Em seus quadros, essas paredes tornam-se escarpas gigantescas que só podiam ser conquistadas pela coragem e pela vontade sobre-humanas do povo. [...] Por certo a Bastilha de sua pintura, com pequeninas figuras escalando as muralhas, sugere um imenso castelo gótico de escuridão e isolamento, um lugar onde homens desapareciam sem qualquer aviso e nunca voltavam a ver a luz do dia - até que os escavadores revolucionários desenterraram seus ossos.

Essa era a lenda da Bastilha. Sua realidade era bem mais prosaica. [...] Para a maioria dos prisioneiros, as condições não eram tão ruins como em outras prisões [...]. (Quanto a isso, comparada com o que as tiranias do século XX inventaram, a Bastilha era um paraíso.) [...] A maioria dos prisioneiros ocupava celas octogonais, com cerca de 5 metros de diâmetro [...]. Na época de Luís XVI, cada um tinha uma cama com cortinado de sarja verde, uma ou duas mesas e várias cadeiras. Todos tinham um fogão ou estufa, e em muitas celas podiam chegar à janela de barras triplas subindo uma escadinha de três degraus junto à parede. Muitos podiam levar seus pertences e também cães e gatos para acabar com ratos e insetos. [...] A comida - coisa crucial na vida dos prisioneiros - também variava de acordo com a condição social. [...] O escritor Marmontel babava ao lembrar de 'uma sopa excelente, um suculento bife, uma coxa de frango pingando gordura [uma virtude no século XVIII], um pratinho de alcachofras fritas e marinadas ou de espinafre, deliciosas peras de Cressane, uvas frescas, uma garrafa de velho borgonha e o melhor café.

Ninguém queria ir para a Bastilha. Porém, uma vez lá dentro, a vida dos privilegiados podia se tornar mais suportável. Permitiam-se álcool e tabaco e na época de Luís XVI introduziram-se jogos de cartas para detentos que partilhassem a cela e uma mesa de bilhar para uns nobres bretões que a requisitaram. Alguns hóspedes literatos até viam um certo encanto na Bastilha, pois ali se estabeleciam suas credenciais de opositores de despotismo. [...] Se a monarquia deve ser caracterizada (não de forma completamente injusta) como arbitrária, obcecada com o sigilo e investida de poderes caprichosos sobre a vida e a morte dos cidadãos, então a Bastilha simboliza à perfeição tais defeitos. Se não existisse, pode-se dizer, seria preciso inventá-la.

E sob certos aspectos ela foi reinventada por uma série de escritos de prisioneiros que realmente sofreram dentro de suas paredes, mas cujos relatos transcendem sua verdadeira experiência na prisão. Estes eram tão vívidos e assustadores que conseguiram criar ferrenha oposição na qual se apoiavam os críticos do regime. [...] A crítica era tão poderosa que, quando a fortaleza foi tomada, a decepcionante realidade da liberação de apenas 7 prisioneiros (dois lunáticos, quatro falsários e um aristocrata delinquente) se viu excluída das expectativas míticas."

(SCHAMA, S. Cidadãos. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. p. 322-325.)

Simon Schama (1945-) é historiador, professor da Universidade de Columbia, NY, EUA, e é um dos grandes especialistas em História Moderna e História da Revolução Francesa. É produtor de documentários históricos e autor de diversos livros e artigos acadêmicos.


O CARANDIRU



"[...] por necessidade de proteção aos marcados para morrer, a direção foi obrigada a criar um setor especial no térreo, a 'Masmorra', de segurança máxima - o pior lugar da cadeia. [...] São 8 celas de um lado da galeria escura e seis do outro, úmidas e superlotadas. O número de habitantes do setor não é inferior a 50, 4 ou 5 por xadrez, sem sol, trancados o tempo todo para escapar do grito de guerra do crime:

- Vai morrer!

Ambiente lúgubre, infestado de sarna, muquirana e baratas que sobem pelo esgoto. Durante a noite, ratos cinzentos passeiam pela galeria deserta.

A janela do xadrez é vedada por uma chapa de ferro fenestrada, que impede a entrada de luz. Por falta de ventilação, o cheiro de gente aglomerada é forte e a fumaça de cigarro espalha uma bruma fantasmagórica no interior da cela. Tomar banho exige contorcionismo circense embaixo do cano na parede ou na torneira da pia, com uma caneca.

A Masmorra é habitada pelos que perderam a possibilidade de conviver com os companheiros. Não lhes resta outro lugar na cadeia nem nas alas de Seguro, como o Amarelo do Cinco, por exemplo. Mofam trancados até que a burocracia do Sistema decida transferi-los para outro presídio."

(VARELLA, D. Estação Carandiru. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. p. 24.)

Drauzio Varella (1943-) é médico, pesquisador, professor e escritor. Desenvolveu um importante trabalho no presídio do Carandiru, que resultou em um livro publicado e na obtenção do prêmio Jabuti.


Detento do pavilhão 9 da Casa de Detenção mostra livro sobre direitos humanos três dias depois do massacre (Luiz Novaes/Folhapress)


PRISÃO E DELINQUÊNCIA

"[...] Dizem que a prisão fabrica delinquentes; é verdade que ela leva de novo, quase fatalmente, diante dos tribunais aqueles que lhe foram confiados [...]

A técnica penitenciária e o homem delinquente são de algum modo irmãos gêmeos [...] Elas apareceram as duas juntas e no prolongamento uma da outra [...] A delinquência é a vingança da prisão contra a justiça. Revanche tão temível que pode fazer calar o juiz [...]

A prisão, essa região mais sombria do aparelho de justiça, é o local onde o poder de punir, que não ousa mais se exercer com o rosto descoberto, organiza silenciosamente um campo de objetividade em que o castigo poderá funcionar em plena luz como terapêutica e a sentença se inscrever entre os discursos do saber."

(FOUCAULT, M. Vigiar e punir. História da violência nas prisões. Trad. Petrópolis: Vozes, 1987. p. 226-227.)

Michel Foucault (1926-1984), filósofo e escritor, é considerado um dos mais importantes pensadores do século XX, crítico dos sistemas prisionais e educacionais, da psiquiatria, da medicina e dos padrões morais da sociedade contemporânea. É autor de trabalhos sobre a sexualidade, medicina, punições, relações de poder e conhecimento.

Glossário:
- Bastilha: Prisão-símbolo do regime absolutista.
- Carandiru: Complexo penitenciário, implodido em 2002.
- Delinquência: Estado de delinquente (delinquir: cometer delito).
- Despotismo: Forma especial do absolutismo. Mando absoluto, arbitrário.
- Lúgubre: Escuro, sombrio.
- Masmorra: Cárcere subterrâneo. Lugar isolado, sombrio e triste.
- Prosaica: Trivial, vulgar, comum.
- Sarja: Tecido entrançado, de lã ou algodão.

NA VELOCIDADE DAS LUZES - A REVOLUÇÃOFRANCESA

Verificação de leitura 2 – p. 111

1. Que razões levaram Luís XVI a convocar os Estados-Gerais?

R: Pressionado pela crise econômica e pelas elites, Luís XVI convocou os Estados-Gerais. À nobreza interessava a convocação da Assembleia como um mecanismo de proteção aos seus privilégios e de impedimento à ascensão política da burguesia.

2. “É uma revolta?” “Não, senhor, é uma revolução!” (diálogo atribuído a Luís XVI e ao duque Liancourt).

Estabeleça, com suas palavras, a diferença entre uma revolta e uma revolução.

R: Revolta é algo restrito a uma certa insatisfação de determinados setores da sociedade cujas reivindicações são específicas, não representando uma alteração da ordem vigente. A Revolução representa uma insatisfação mais ampla da sociedade, apontando para alterações profundas da ordem vigente, das estruturas sociais, políticas, culturais e econômicas.

3. Cite dois exemplos de como a revolução tratou dos privilégios da nobreza.

R:
·  Em 4 de agosto de 1794, a Assembleia aboliu os privilégios dos nobres: direito de classe exclusivo, isenção de impostos, monopólio dos cargos mais altos e o direito de exigir trabalho dos camponeses.

· Em 26 de agosto, foi aprovada uma declaração de ideais, uma afirmação de intenções: a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Ela proclamava a igualdade de tratamento perante a lei.

· Na Justiça, as reformas estabeleceram que os juízes seriam escolhidos entre os advogados formados. 

4. Por que a guilhotina se tornou um símbolo do período do terror?

R: Durante o Terror, os delitos contra os cidadãos deveriam ser severa e agilmente punidos. Visando implantar uma República da Virtude, sem reis ou nobres, sem extremos de riqueza ou pobreza, perseguia-se severamente os inimigos da República. Nesse ardor revolucionário, cerca de 40 mil pessoas foram mortas na guilhotina. 

5. “Era permitido temer que a revolução, tal como Saturno, devorasse sucessivamente todos os seus filhos.” Essa frase do líder girondino Pierre Vergniaud aplica-se ao período da Convenção Jacobina? Justifique sua resposta.

R: Durante a Convenção Jacobina, diversos líderes girondinos foram levados à prisão e executados. Foram também executados federalistas, padres, nobres, camponeses e especuladores. As divergências políticas eram resolvidas por meio do Terror em nome da República. Robespierre passou a utilizar o terror contra antigos aliados de esquerda como Hérbert, Danton e Desmoulins. Em junho de 1794, o próprio Robespierre seria guilhotinado. Nesse sentido, a frase de Verginaud aponta para uma metáfora mítica aplicável à Revolução Francesa.

6. Explique a seguinte frase do texto: “O indivíduo, antes súdito, se tornou um cidadão.”

R: Com a Revolução, todos os homens se tornaram cidadãos comuns. O indivíduo antes submetido a poder do Estado absolutista, se tornou cidadão de um modelo de sociedade em que as leis não estabeleciam distinções baseadas no nascimento, e que qualquer governo deveria respeitá-los. Tais direitos existiriam pelo simples fato de todos os humanos os terem naturalmente, e não pela vontade de soberano.

7. Como eram as relações entre o Estado e a Igreja no período napoleônico?

R: Napoleão, interessado em utilizar-se da religião como um instrumento de unidade nacional, negociou um acordo com o papa. A Constituição de 1801 reconhecia o catolicismo como a religião da maioria dos franceses, e não como uma religião oficial do Estado, portanto, não prejudicou a tolerância aos judeus e protestantes. O clero seria pago e indicado pelo Estado, ficando sujeito ao controle estatal, mas seria consagrado pelo papa.

8. Por que as guerras napoleônicas “foram precursoras das guerras-relâmpago do século XX”?

R: Pelo fato de Napoleão utilizar-se de ataques rápidos, ao contrário do modelo militar anterior, defensivo e travado de uma posição fixa. A intenção de Napoleão era surpreender os adversários como nas guerras relâmpagos do século XX. Chegando ao campo de batalha antes do previsto, ele escolhia cuidadosamente os melhores roteiros para chegar ao destino determinado; procurando abastecer-se nas regiões que atravessava, eliminava os lentos comboios de abastecimentos e marchava rapidamente sobre o exército adversário.

9. Elabore um pequeno texto desenvolvendo a ideia de Éric Hobsbawm, para quem a Revolução Francesa teria fornecido “a ideologia do mundo moderno”.

SUGESTÃO -  O texto deverá poderá ressaltar:

· A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, pela defesa da igualdade jurídica e da liberdade de expressão, elementos centrais da democracia liberal.

· O voto universal, símbolo da participação ativa dos cidadãos e de uma soberania popular.

· A propagação dos ideais revolucionários nas guerras napoleônicas e nos movimentos liberais do século XIX.

· O jacobinismo, que apontava para a necessidade de o Estado ter fortes preocupações sociais.

terça-feira, 27 de setembro de 2016

UMA ÉTICA PARA ALÉM DAS FRONTEIRAS

Por Natan Morador

Em defesa de uma ética que coloque em primeiro plano a Humanidade e não simplesmente o homem.

Desde a formação dos Estados Modernos, em meados do século XV, as fronteiras geopolíticas e culturais se fortaleceram: os territórios se tornaram cada vez mais delimitados, a língua foi se consolidando e os costumes foram se cristalizando de modo a circunscrever um determinado povo.

Não é por acaso que as concepções de sujeito e, portanto, de subjetividade nascem de mãos dadas com a modernidade. No entanto, nos finais do século XX, com a emergência dos novos meios de comunicação, sobretudo da internet, tínhamos a impressão de que essas fronteiras tão rígidas fossem transpostas pela famigerada globalização. Ledo engano!

Apesar das inúmeras possibilidades de se estabelecer contato com o diferente, com pessoas das mais diversas regiões do planeta e de conhecer a riqueza cultural que o mundo nos oferece, ainda assim as ondas de xenofobia e de intolerância parecem ter aumentado.

Na Rússia a onda de xenofobia em 2008 e 2009 alcançou índices preocupantes – segundo a SOVA, uma Organização de Direitos Humanos com sede em Moscou – e em 2014 o presidente russo, Vladimir Putin, disse que “combater o racismo, a xenofobia e o nacionalismo agressivo” era um dever, indicando que após cinco anos os casos de intolerância ainda eram comuns em seu país.

Já na Espanha são quatro mil casos de agressões por intolerâncias étnico-raciais a cada ano, segundo o Observatório Europeu do Racismo e da Xenofobia.
Um fato interessante é que se fizermos uma pesquisa rápida sobre países com maior número de casos xenofóbicos, seremos direcionados à Europa.

Em 2011, de acordo com um relatório da ONU (Organização das Nações Unidas) os países mais racistas situavam-se no Velho Continente. E em 2013, uma pesquisa do Washington Post aponta inúmeros países europeus considerados como intolerantes.

Alguns teóricos diziam e ainda dizem que a intolerância é a expressão da ignorância, ou seja, da falta de conhecimento. Esse argumento parece um pouco falacioso, na medida em que abre a possibilidade de justificarmos a nossa aversão ao diferente pelo simples fato de não o conhecermos.

Se não conhecemos uma determinada cultura ou povos e nos deparamos com estes temos a oportunidade de ampliar os nossos horizontes e não de nos afirmarmos e de nos fecharmos à diversidade, repelindo o que é diferente.

Em outros termos, o novo deveria nos provocar curiosidade e a curiosidade é amiga da aprendizagem, consequentemente, até poderíamos não gostar de algumas coisas, mas certamente as conheceríamos e respeitaríamos.

No entanto, há um discurso, veiculado pelos grupos conservadores radicais, que forma nos sujeitos um bloqueio à interação com o outro e desse modo a predisposição que se deveria ter ao tentar conhecer qualquer coisa que seja inibida e, por mais que venha a conhecer, não se simpatiza com o outro.

Logo, a intolerância parece ser a expressão de outra coisa que não seja apenas ignorância e parece estar associada à construção de um ethos de superioridade e de desconstrução, quando não de exclusão, do diferente.

Não basta ter informação, ter o conhecimento, é preciso dialogar com ele, se permitir ao novo, ao outro. Neste sentido, a intolerância seria entendida como uma construção histórico-social: não se nasce intolerante, torna-se!

Filmes como A Vila (2004) dirigido por M. Night Shyamalan; Histórias Cruzadas (2011) baseado no livro de Kathryn Stockett e dirigido por Tate Taylor; A Onda (2009) cujo diretor é Dennis Gansel; Mentes Perigosas (1995) dirigido por John N. Smith e inúmeras outras obras cinematográficas nos levam a uma reflexão sobre a criação de “mitos” e, por meio deles, a construção de uma aversão ao diferente.

O próprio discurso cristão de “igualdade” no qual o lema é de que “todos são iguais” – que é diferente do discurso de isonomia defendido pela legislação, onde todas e todos sãos iguais num sentido legal, sem a perda das individualidades subjetivas – tem como pano de fundo uma homogeneização e, portanto, uma ampla defesa da exclusão das diferenças.

John Locke, em seu texto Carta acerca da Tolerância, chama a atenção para essa questão acentuando as diferenças entre a comunidade cristã e a “sociedade dos homens”. Naquela se tem as funções da religião e nesta as do governo civil.

São os princípios de laicidade, onde os direitos civis, aqui entendidos como Direitos Humanos, devem ter primazia com relação às crenças, etnias e ideologias.

A compreensão do termo simpatia nos ajuda a melhor entender essa problemática e parece uma saída plausível, por mais utópica que venha a ser.

Segundo Abbagnano (2007), os antigos filósofos interpretavam essa palavra como uma “concordância natural entre coisas semelhantes e discordância natural entre as coisas diferentes”, mas essas discordâncias concorriam para uma “unidade universal”, ou seja, uma harmonia dos contrários.

Isso, de certo modo, nos leva a entender que há uma clara defesa dos “diferentes”, em outros termos, da diversidade, sem que necessariamente se tenha a perda de uma unidade: não se entendia a diversidade, o outro como uma anulação de si mesmo, mas como uma a presentificação de um ser diferente.

David Hume, em seu livro Tratado da Natureza Humana (1738), desenvolve a ideia de que a simpatia é um sentimento por meio do qual nos vinculamos a outras pessoas:
“Nenhuma qualidade da natureza humana é mais importante em si mesma ou em suas consequências do que a propensão que temos a simpatizarmos uns com os outros, a recebermos a comunicação das inclinações e dos sentimentos dos outros, por mais diferentes que sejam dos nossos.”
Isso indica uma preocupação com a condição humana e não simplesmente com a condição singular, em outros termos indica um “espírito público”, onde os “interesses da humanidade” estão em primeiro plano, em detrimento dos interesses locais.

Não se trata de uma defesa do fim dos direitos subjetivos e individuais, mas estes não deveriam se constituir em desacordo com os direitos humanos, num sentido forte do termo – diferente do que corriqueiramente estamos acostumados a ouvir sobre Direitos Humanos como se isso fosse uma frase de efeito.

Contudo, vimos no curso da história diversos momentos em que os interesses “nacionais”, e mesmo pessoais, irracionalmente se sobrepuseram ao “espírito público”.

Para sermos sucintos podemos destacar os casos de intolerância:

• na formação dos Estados Modernos;

• nas barbáries contra os povos do “Novo Mundo” que ironicamente – e Montaigne acentua essa ironia no Capítulo “Dos Canibais” no Livro I dos Ensaios – eram considerados bárbaros;

• no final da Primeira Guerra Mundial, com a ascensão das ideologias fascistas;

• com as Ditaduras Militares da segunda metade do século XX; e

• quando pensamos que estávamos caminhando para uma “globalização”, para uma preocupação com a humanidade num sentido amplo, para um empenho geral com a erradicação da pobreza e das desigualdades étnico-socais em todo o planeta, e nos deparamos com uma onda conservadora que parece ter se estendido por boa parte do ocidente.

Os acontecimentos sócio-políticos dos últimos três anos trazem consigo um odor de ultranacionalismo e de individualidades radicais, portanto de fascismo, que deve nos preocupar demasiadamente.

• A ascensão da Frente Nacional francesa, na pessoa da advogada Marine Le Pen que defende uma política de austeridade com relação aos imigrantes e à população mais pobre da França;

• A posição da Alemanha e da Suécia frente à onda de imigração na Europa;

• Os inúmeros casos de xenofobia e discriminação no Reino Unido após a sua saída da União Europeia; e, sobretudo,

• A candidatura emblemática de Donald Trump para a presidência da maior potência econômica do mundo, aliada à delicada situação brasileira, com um congresso mais conservador dos últimos quarenta anos que defende pautas conservadoras radicais e cortes nos setores sociais.

Tudo isso são exemplos que nos levam a refletir sobre a nossa posição frente ao outro e sobre a nossa responsabilidade – não enquanto mulher e homem, brasileiro, latino-americano, mas enquanto ser que faz parte de uma Humanidade que não pode ser desconsiderada em razão de particularidades.
A frase “não sou nem ateniense nem grego, mas sim um cidadão do mundo” – que é atribuída a Sócrates equivocadamente e que outros estudiosos atribuem a Plutarco, filósofo que viveu cerca de 450 anos depois de Sócrates – curiosamente parece expressar a esperança que tínhamos com a “globalização”: 

a de que as fronteiras se diluíssem e a noção de humanidade se fortalecesse com o passar do tempo.

Quais seriam as implicações mais positivas dessa dissolução?

A primeira delas seria a constituição de uma ética Humana, ou seja, para o Homem e para a Mulher num sentido universal e não mais num sentido particular.

A segunda seria consequência da primeira: a atribuição de responsabilidades num plano global e não apenas circunscrito a uma nacionalidade.

Não podemos nos eximir – com base em uma ética humana -, por exemplo, das nossas responsabilidades diante das transformações climáticas; das epidemias; da fome e do aumento de casos de Aids; das mortes nos países árabes e das mortes ocasionadas pela crescente imigração na Europa, entre tantas outras questões que precisam ser vistas e analisadas a partir de uma perspectiva mais global.

São problemas que afetam não apenas a uma determinada população ou região, mas que afetam à humanidade no geral. Reconhecer-se parte de um todo é um passo para cuidarmos do quebra-cabeça que se constitui de partes e não só das partes isoladamente.

Este quebra-cabeça é o mundo no qual vivemos, interagimos e, por isso, não podemos cuidar de uma parte sem pensar no todo, pois sozinha ela não serve para nada: está fadada à incompletude.

Com isso, queremos refletir sobre o nosso papel na construção e manutenção desse quebra-cabeça e a implicação mais óbvia que parece haver é a de que temos uma responsabilidade diante do outro, do mundo e de nós mesmos.

Então, se não podemos mudar as situações mais amplas, podemos mudar a nós mesmos e àquilo que está ao nosso redor. Um bom começo é, por exemplo, buscar a desconstrução das fronteiras que nos barram o contato com o estranho, o diverso, o plural.

Neste sentido, não há por que fortalecermos as fronteiras dos “Estados Modernos” que tendem a permanecer por meio de nossas individualidades, como se o mundo fosse o nosso quintal.

É preciso transpor a fronteira do próprio sujeito e ampliar os horizontes para uma ética que coloque em primeiro plano a Humanidade e não simplesmente o homem.

Só assim os discursos de ódio, a construção das intolerâncias e das fronteiras modernas se esvaziariam de sentido e só assim a palavra simpatia deixaria de ser um conceito distante para se tornar em nós “a faculdade de participar das emoções de outrem, sejam elas quais forem”, como entendia – em consonância com Hume – Adam Smith (1759).

*Formado em Filosofia pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e Mestrando em Educação na linha de pesquisa “História, Filosofia e Sociologia da Educação” do PPGE da UFSCar, com estudos na área de filosofia moderna, com ênfase em Michel de Montaigne. Tem experiências nas áreas de educação, educação popular, filosofia, música e literatura.

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

O PROCESSO DE EMANCIPAÇÃO POLÍTICA DE TUNTUM-MA.


(*) Por Jean Carlos Gonçalves

Em fins da década de 1920 e início dos anos 1930, Tuntum aparece ao lado do Curador como um importante povoado do município de Barra do Corda.

O Arquivo Público guarda o Livro de Registro das atividades do interventor Natal Teixeira Mendes, de 1930 a 1933. Nele, constata-se o desenvolvimento de grandes povoados, que, hoje, são sedes de municípios, tais como Curador, Tuntum, (BRANDES, 1994. p. 285).



Entretanto, Tuntum não usufruiu oficialmente da categoria de vila ou distrito. Não há registro oficial de sua elevação a tais níveis. Por outro lado, o termo “Vila”, fora largamente utilizado em referência ao lugar. Inclusive a “Vila de Tuntum” ficou eternizada na carta de Frei Adriano de Zânica destinada ao Provincial em São Luís, em que relata sobre sua viagem da capital à cidade de Barra do Corda, em janeiro de 1931. Porém, não há dúvidas de que a terminologia utilizada foi para se referir ao expressivo povoado.

Por outro lado Presidente Dutra fora elevado à categoria de distrito ainda em 1896 subordinado a Barra do Corda, assim permanecendo em divisões territoriais de 1936 e 1937. Elevado à condição de município pela lei estadual nº. 820 de 31 de dezembro de 1943 com nome de Curador e através da lei estadual nº. 269 de 31 de dezembro de 1948 o município passa a ser denominado Presidente Dutra. “Sob a mesma lei fica criado o distrito de São Joaquim dos Melos, anexado a Presidente Dutra”. Em divisão territorial datada de 1º de julho de 1950, este município continua constituído dos distritos: a sede Presidente Dutra e São Joaquim dos Melos (IBGE, 2012). 

Com a criação do município de Tuntum, o distrito de São Joaquim dos Melos passa a sua jurisdição. A mesma Lei cria o distrito de Tuntum, conforme o item b, do art.2º - divisas distritais: “O município será constituído de dois distritos, São Joaquim do Melos e o de Tuntum, que fica criado na presente lei.”. Assim, alguns políticos interessados em controlar o eleitorado do futuro município, passaram a articular uma proposta para emancipar Tuntum.

Nesse processo, tanto a conjuntura política estadual como as circunstâncias locais favoreceu a emancipação política de Tuntum.

As eleições estaduais de 1950 foram marcadas por escandalosas fraudes, fato este que desencadearia a famosa “Greve de 1951”, movimento organizado de grupos populares da Capital liderado pelos políticos oposicionistas com o fim de impedir a posse do postulante ao governo estadual, o declarado eleito, Eugênio Barros. Contornada a situação e garantida à posse do governador, o Maranhão passa por um relativo período de estabilidade, graças à postura conciliadora de Eugênio Barros junto aos oposicionistas, garantindo-lhe, desse modo, o controle inconteste da situação.

É também nesse contexto, que se destaca a figura do jovem deputado estadual Eurico Bartolomeu Ribeiro. Eleito em 1954, Eurico apresentou junto a Assembléia Legislativa do Estado o projeto de lei para a criação do município de Tuntum, cumprindo deste modo um compromisso de campanha engendrado em consórcio com seu tio, o chefe político local Ariston Arruda Leda, que havia sido prefeito de Presidente Dutra anos antes e exercia naquele momento o cargo de presidente da Câmara Municipal e tinha planos de comandar o futuro município.

As eleições majoritárias de 1955 mais uma vez reeditaria as negociatas politiqueiras e o clima de tensão devido às disputas e brigas paroquiais pelo controle dos municípios interioranos, fato que tanto marcam a história política deste estado. Presidente Dutra, nesse período, registrara um verdadeiro cenário de tensão e incertezas, pois os grupos políticos se embatiam pelo o controle do poder local.

O grupo dominante, desde a primeira eleição municipal em 1948, reunia uma coalizão de importantes clãs encabeçados pelos os Lédas, os Gomes de Gouveia e os Serenos. Na aludida eleição se elege Ariston Arruda Leda, após disputa acirrada com Virgulino Cirilo de Sousa, que por sua vez fora declarado eleito do pleito após apuração presidida pelo juiz Raul Porciúncula de Morais (Filho, 2007). Entretanto, Ariston não aceitou a derrota e recorreu a Justiça Eleitoral em São Luís. Obtendo êxito em sua reclamação, sendo, portanto, reconhecido como legítimo eleito, cujo mandato se estendeu de 17/05/1948 a 31/01/1951.

Para sua sucessão, a maioria dos governistas, concordou com o nome de José de Freitas Barros. Insatisfeito, Honorato Gomes de Gouveia rompe com Ariston Léda e passa às fileiras da oposição, lançando inclusive sua própria candidatura a prefeito para a eleição de 1950. Porém, não logrou sucesso.

José de Freitas Barros, vulgo Zeca Freitas, se elegeria, mas “Pouco afeito aos meandros da política partidária, logo renunciaria ao mandato em razão da oposição acirrada que seus inimigos políticos lhe faziam, pouco mais de cinco meses após ter tomado posse” (Filho, 2007, p. 173). Na verdade, como se sabe, as disputas extrapolavam o jogo partidário e atingia práticas nefastas, como ameaças, agressões físicas e até assassinatos. Não suportando a pressão Zeca Freitas, abre espaço para o então vice Gerson Sereno assumir a chefia do município. Esperava-se que, com tal medida, os ânimos se acalmassem. Contudo, a conjuntura se agravou.

O grupo de Honorato tinha maioria na Câmara Municipal e pressionou também Gerson Sereno a renunciar, que por sua vez resistiu. Mas temendo o estado de insegurança, resolve recorrer ao juiz Dr. Macieira Neto, titular da Comarca de Codó, que arbitrou pela legalidade. Mesmo assim, “O juiz não teve sua determinação acatada pelo Secretário de Segurança e somente após ameaça do magistrado de requisitar forças federais, foi enviado um contingente militar para Presidente Dutra”. (FILHO, op. cit.). No intervalo entre a renúncia de Zeca Freitas e a posse de Gerson, assumiu a chefia do Executivo, o Presidente da Câmara Municipal, José Ferreira dos Santos, popularmente conhecido como Zeca Belizário (19/06 a 30/10/1954), aliado de Honorato.

Ainda assim, o Capitão Honorato Gomes de Gouveia, organizou um grupo armado para impedir a posse do substituto, mas o contingente policial vindo da Capital, mais bem armado e numeroso, aniquilou rapidamente o levante do bando de Honorato, aprisionando-o e enviando-o a São Luís, garantido desse modo, a tranqüilidade necessária para a posse de Gerson Sereno. No entanto, o grupo de Honorato Gomes não se dava por vencido, que se utilizando de sua maioria na Câmara Municipal, articulou uma manobra para derrubar o então prefeito. Estratagema consumado em sessão extraordinária na Câmara e na qual imediatamente foi dada posse ao então presidente, o Sr. Ilídio Fialho de Souza (21/01 a 10/04/1955), também aliado de Honorato. Contudo, por força da justiça, Gerson seria reintegrado ao cargo de prefeito. 
Mas qual a relação existente entre os episódios de Presidente Dutra e emancipação política de Tuntum?

O cenário de rivalidades e disputas não só ajuda a compreender o processo de emancipação de Tuntum na perspectiva do desmembramento, mas de entender como tal processo foi caracterizado por um aspecto bastante singular de nossa história: O município criado possui uma extensão territorial superior ao “Município Mãe”.

Diante dessa conjuntura, aproveitou-se muito bem Ariston Leda, que após o término de seu mandato como prefeito, conseguiu se eleger para vereador nas eleições de 1950, ocupando inclusive, a presidência da Câmara. Desse modo, Ariston se colocava como uma importante liderança local e com fortes relações com o governador Eugênio Barros e também com o Senador Vitorino Freire que a época reinava absoluto na política maranhense. Somado a isto, o quadro de turbulências inclinaria Ariston a articular um plano para separar Tuntum de Presidente Dutra. De outro lado, Eurico Ribeiro via com bons olhos a separação, pois, tal medida lhe daria amplo controle do eleitorado do novo município.

Como se percebe o nascimento do município de Tuntum se dar sob uma forte teia de relações de interesses entre figuras centrais alinhadas a ala governista do Estado do Maranhão, pois embora na década de 1950 o Brasil estivesse sob a bandeira da redemocratização, a população se quer era consultada sobre questões tão impactantes.

É por conta de tais pactos, negociatas entre essas lideranças e das lutas políticas em Presidente Dutra que Ariston Leda vai articular nos bastidores o projeto de emancipação de Tuntum. O popularmente conhecido Mestre Elias, antigo mecânico da cidade e que chegou à Tuntum em 1954 relata: “Enquanto os Serenos e os Gomes de Gouveia travavam o embate pelo controle do poder, Ariston contratou secretamente um topógrafo em São Luís para percorrer e traçar as linhas limítrofes do mapa que viria constituir no território do município Tuntum”.

Ainda em 1955 seriam realizadas em Presidente Dutra eleições municipais, que comprovariam o prestígio dos Lédas, visto que se elegera Adilon, irmão de Ariston, frente ao grupo de Honorato Gomes. Assim, consolidavam-se suas bases para a consumação do projeto de emancipação e controle político do novo município.

Deste modo, fora encaminhado pelo deputado Eurico Ribeiro, o projeto de Lei para Assembléia Legislativa do Estado, propondo a criação do município. O mesmo fora aprovado em 1º de setembro de 1955, o qual previa obviamente, o desmembramento do município de Presidente Dutra. Eugênio Barros, através da lei nº. 1362/55 sanciona e publica no Diário Oficial do Estado em 12 de setembro de 1955.

Assim nasce Tuntum...

sexta-feira, 9 de setembro de 2016

A MOLDURA OLIGÁRQUICA - A ERA VARGAS

Sugestões de resposta para os exercícios "Verificação de Leitura" (p. 82)

1. Quais eram as principais divergências entre tenentes e oligarquias durante o governo provisório de Getúlio Vargas?

R: Muitos tenentes foram nomeados como interventores com plenos poderes por Getúlio, afastando grupos oligárquicos do poder regional. Além disso, alguns deles traziam propostas de apelo popular como: redução de alugueis, melhorias no serviço de saúde, organização de sindicatos e até expropriação das terras de fazendeiros comprometidos como o antigo governo.

2. Em que medidas tais divergências eram semelhantes àquelas verificadas, durante a República Oligárquica, entre o Exército e as oligarquias?

R: A principal semelhança diz respeito a centralização política imposta pelos militares a partir do poder central. Para as oligarquias interessava controlar seus respectivos estados com autonomia, com base nos princípios federalistas.

3. Como Vargas limitou o poder das oligarquias?

R: Além de impor interventores, Vargas desarticulou a representação legislativa em todos os níveis, concentrando e reforçando o Executivo, diminuindo a autonomia regional, proibindo a tomada de empréstimos no exterior sem aprovação do governo central eliminando o poder de fogo e os efetivos das forças policiais dos estados. Nas eleições para a Constituinte de 1933, Vargas estabeleceu o voto secreto, ampliou o eleitorado dando direito de voto às mulheres e instituiu a bancada classista, eleita pelos sindicatos de patrões e empregados, ampliando a representação urbana, menos vulnerável à ação das oligarquias e ao voto de cabresto.

4. Em que termos realizou-se o enquadramento das oligarquias no novo jogo político?

R: Diante do vazio de poder que se instaurou após 1930, as oligarquias acabaram por aceitar a direção política federal, numa espécie de compromisso que envolvia a manutenção das manutenção das relações sociais no campo, ou seja, o latifúndio, da exploração da mão de obra livre e do mandonismo local.

5. Por que a Revolução de 1932 não obteve o apoio de outros grupos regionais?

R: Apesar do descontentamento com rumos do governo provisório de Vargas, as demais oligarquias não viam possibilidade de destituir o presidente, nem se mostravam seguros para estabelecer uma nova aliança com a oligarquia paulista.