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quinta-feira, 20 de julho de 2017

Mestre Alderico - Um trabalhador que lê!



PERGUNTAS DE UM TRABALHADOR QUE LÊ
Quem construiu a Tebas de sete portas?
Nos livros estão nomes de reis.
Arrastaram eles os blocos de pedras?
E a Babilônia várias vezes destruída
Quem a construiu tantas vezes? Em que casas
de Lima radiante dourada moravam os construtores?
Para onde foram os pedreiros na noite em que
a Muralha da China ficou pronta?
A Grande Roma está cheia de arcos de triunfo.
Quem os ergueu? Sobre quem
Triunfaram os césares? A decantada Bizâncio
Tinha somente palácios para seus habitantes?
Mesmo na lendária Atlântida
Os que se afogavam gritavam por seus escravos
Na noite em que o mar tragou.
O jovem Alexandre conquistou a Índia.
Sozinho?

(BRECHT, B. Perguntas de um trabalhador que lê. Disponível em: http://somoseducadoresleitores.blogspot.com.br/2010/09/perguntas-de-um-trabalhador-que-le-de.html. Acesso em: 28 abr. 2017.)

Analisando o trecho do poema acima percebe-se nitidamente que o autor critica a visão da História que valoriza somente os feitos dos “grandes homens” sem se preocupar com todos os outros envolvidos e que ajudaram nas guerras, nas grandes construções, nas descobertas científicas, enfim, que estavam também fazendo História. Por exemplo, a Igreja Matriz de São Raimundo Nonato em Tuntum não é obra dos frades franciscanos capuchinhos, exclusivamente. Pois se assim considerarmos, como geralmente, tem ocorrido no transcurso do tempo, pernas e braços serão mutilados e vozes silenciadas, enfim, os atores de nossa trama histórico-social ficarão ocultos atrás das cortinas do tempo e se que eles próprios, os atores, não terão a consciência de que seu suor fora “matéria-prima” para as obras memoráveis e das as grandes proezas.


A necessidade de se refletir sobre essa questão se faz cada vez mais urgente, pois com tanta possibilidade de releitura da realidade dada a ampliação dos meios de circulação de informação, prevalece ainda, um falsa noção de que somente os ocupantes dos cargos de poder são os construtores da história, o que nega a protagonismo, o esforço sobre-humano de homens e mulheres para as grandes realizações, ainda que no discurso se reverbere a ideia de que todos fazem história.


Diante do exposto, hoje apresento-lhes um desses anônimos, silenciados, que a oficialidade da história local, não reconhece, ao contrário, o tornou invisível, assim como outros milhares de homens e mulheres que fizeram e fazem Tuntum. Trata-se de Alderico Pereira da Silva, homem simples mas que carrega sobre si a aura de uma das mais nobres almas, artífice de nossa vida citadina.
Mestre Alderico segurando uma válvula de transmissão, peça que possui há mais de 40 anos. Trata-se de uma verdadeira relíquia que Alderico guarda a sete chaves.
Nascido no Curador (atual cidade de Presidente Dutra) em 1942, chega a Tuntum aos 10 anos, antes, portanto, da emancipação do município. Aqui desde de cedo começou a trabalhar. Ainda jovem entre os 15 e 16 anos trabalhou como auxiliar de pedreiro para um irmão mais velho. E foi justamente num daqueles dias de trabalho, após preparar um traço de massa, e que, parando para descansar se deparou com um amigo de seu irmão que veio visitá-lo. O visitante que morava noutra cidade, empunhava um exemplar da revista “O Cruzeiro”, ocasião em que o jovem Alderico não resistiu em pedir ao estranho para dar uma olhadinha nos breves instantes de pausa da labuta. Prontamente atendido, as páginas daquela revista apresentou-lhe um mundo de descobertas, pois dentre tantas informações e imagens, a revista estampava uma publicidade do Instituto Universal Brasileiro, instituição que ofertava (e oferta até hoje) cursos na modalidade “a distância”, por correspondência. A empolgação transbordante contagiou o jovem, de tal modo, que sensibilizou o dono da revista, que o presenteou com a mesma.
Alderico e seu neto, Lucas. Na imagem o técnico empunha  uma antiga revista especializada em eletrônica. 
Alderico, agora tinha outro desafio: convencer sua mãe a pagar os cursos, pois considerando a época e as condições materiais de sua família, não eram de baixo valor. Além disso, alguns pessimistas trataram de desestimulá-lo apontando as dificuldades de se aprender aquele tipos de saber especializado. Contudo, percebendo o brilho nos olhos do filho, Dona Maria Pereira Lima, não hesitou em investir no sonho de seu rebento.

A partir daí, Alderico, não parou mais de ler, foram incontáveis cursos e certificados com excelente notas. Tornou-se assim um amante do conhecimento, com sede cada vez maior pela pesquisa. Seus conhecimentos teóricos foram postos em prática, pois, uma vez inclinado para área das ciências da natureza, especialmente, a física, tratou de criar seus circuitos elétricos, ao passo que ampliava as leituras e experimentos.

Cabe ressaltar que nos 1950, o Brasil vivia um momento de abertura ao capital estrangeiro e passa a ser com mais intensidade inundado de produtos industrializados, principalmente, a partir do governo presidente Juscelino Kubitschek, período em chega ao país as primeiras montadoras de automóveis, a televisão e outros eletrodomésticos. É bem verdade que há muito tempo o rádio já se fazia presente no cotidiano do brasileiro, mas nos longínquos rincões do interior do Brasil, estava cada vez mais consolidado, mesmo porque a televisão em muitos municípios do Maranhão, chega apenas no final da década de 1970 e início dos Oitenta. O rádio, portanto, era produto dos desejos dos moradores do sertão, através do qual, se acompanhava os noticiários, programas musicais, jogos de futebol e outros de entretenimento, como as novelas de rádio.

Posso assegurar com convicção que o rádio é uma das grandes paixões de Alderico. Com seus conhecimentos adquiridos nos cursos do Instituto Universal Brasileiro, o “nosso físico”, técnico em eletrônica, não só dava reparos aos aparelhos dos moradores de Tuntum, mas como também passou a criar circuitos elétricos e fabricar de sua própria engenharia um rádio com capacidade receptora num raio de mais de 200 km.
Alderico ladeado Lucas,seu neto. Lucas é filho do saudoso Gean, primogênito de Alderico e que também era técnico em eletrônica
Sempre estudioso, leitor-pesquisador, Alderico acompanhou e ainda acompanha as transformações no setor de eletroeletrônica desde a década de 1950 e quando a televisão chegou a Tuntum já era um abalizado técnico na érea, para quem os tuntuenses sempre recorriam quando seus aparelhos apresentavam problemas. Entretanto, insaciável como o nosso físico sempre foi, tratou de instalar as primeiras estações de rádio de nossa história durante a década de 1970. As rádios AM e FM por ele instaladas não possuíam licença e acabavam tendo vida efêmera. Numa delas os desportistas de Tuntum e comunidade em geral tiveram a alegria e de ter as partidas de futebol realizadas no desativado Estádio Dom Adolfo Bossi, transmitidas ao vivo, com direito a narração do saudoso Júlio Dantas, o Advogado dos Pobres, acompanhado dos comentários de Odílio Cruz, o Seu Dodô, que em agosto próximo completada 100 anos de vida.

Com uma vida intensa de prestação de relevantes serviços a Tuntum, o grande Mestre Alderico, sentiu a necessidade de buscar outras praça, e assim, levar o seu conhecimento, buscar novas experiências e aprendizagens. O mesmo chegou a prestar serviço em rádio amador Brasília-DF pelos idos da década de 1980, além de ensinar seu ofício no município de Balneário Camboriú, em Santa Catarina.

Atualmente, contando 75 anos de idade, o Srº Alderico, Pai de 9 filhos e dezenas de netos, está aposentado e leva vida como sempre modesta ao lado de sua esposa, a Srª Rita Oliveira da Silva. Há décadas residente na rua dos Uruçus, o nosso “Físico” tem em sua rotina, a viagem diária de casa para sua chácara que fica próxima ao balneário da Tiúba, cujo trajeto realiza de bicicleta. Na chácara, o pesquisador guarda boa parte de seus livros, desenhos, escritos, revistas, além de peças e dispositivos que o acompanham há mais de 40 anos.

Em visita a sua chácara no mês de março, pude constatar a quão Alderico é depositário de um riquíssimo e profundo conhecimento na área. Confesso que me sentir incapaz de acompanhar seus raciocínios quando tratava de circuitos elétricos e de ondas eletromagnéticas. Fiquei maravilhado, e, portanto, sentir a necessidade de compartilhar com todos, a sapiência e determinação desse homem de origem humilde que através da leitura e da pesquisa, adquiriu um saber técnico especializado, que contribui  de modo relevante para a vida social e cultural da cidade e região, pois o mais antigo técnico em eletrônica de Tuntum também trabalhou em cidades vizinhas, especialmente, em sua natal, Presidente Dutra.
Alderico à direita explicando as propriedades de antigo transmissor para o Profº Jean Carlos.
Diante do exposto, alerto a todos, especialmente os jovens, da necessidade de reconhecermos Alderico e tantos outros que fizeram e anonimamente fazem nossa cidade e município. Reservar-lhes o seu devido lugar na história, é antes de tudo, uma honrosa ação de fazer justiça com os trabalhadores e trabalhadoras, valorizando os que foram, intencionalmente silenciados, para não ofuscarem o “feitos” dos detentores dos cargos de poder.

Que não se permita, que tão somente o sol, intransigente que surge no horizonte, continuamente, delimitando os dias, testemunhe a grandeza e a importância de nossos sujeitos históricos. Que não se negue o protagonismo de nossos homens e mulheres, que inominados, tecem o cotidiano desta terra. Mas que se estenda esse conhecimento às gerações mais recentes e se garanta à posteridade, o legado dos construtores da história, a exemplo do técnico em eletrônica, o pesquisador, o “físico”, Alderico Pereira da Silva - Um trabalhador que lê!

OBRIGADO MESTRE ALDERICO!!!

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