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quinta-feira, 3 de agosto de 2017

DE GRAÇA ARANHA PARA TUNTUM - A PARTIDA.


O sol emerge no horizonte, resplandecente no límpido céu azul, adentra, incandescente pelas frestas do telhado do velho casarão que jamais imaginei deixar. 

Antes da luz natural, ouvi ainda quase desfalecido, os sons (os tun-tuns) da muletas de meu inquieto pai no piso rubro que semanalmente, tantas vezes assisti minha mãe lustrar, após lavarmos todos os cômodos ouvindo os vinis de Rei Roberto, Cláudia Barroso, Ângela Maria, ou dos Trepidantes e outros, na velha vitrola, que mais parecia um piano. 

Os barulhos da bengala de papai ficaram cada vez mais forte até pausar bem próximo, e despertando-me rapidamente com sua pesada mão em meu ombro e sua voz aguda em brado:

- Levanta-te! Hoje vamos embora deste lugar! Anda. Tem muita coisa para arrumar.

Naquele instante fiquei estático, intrigado, e silenciosamente, para não questionar a autoridade do velho, indaguei: Se há mais de uma semana arrumávamos a nossa mudança, então como ainda havia o que arrumar? 

Eu contava apenas 8 anos naquela terça-feira, 28 de julho de 1987. Não tinha como ajudar com aqueles pesadíssimos móveis. Mas meu pai como sempre nos tratou como um adulto em miniatura, queria que estivéssemos a postos para ajudar no que fosse necessário ou no que estivesse dentro de nossas possibilidades. 

Ainda no início da manhã, da calçada de casa vi estacionar em nossa frente o caminhão de Seu Zé Gomes e a D-20 do Crézio, ambos vizinhos e grandes amigos de meu pai e que fariam o transporte de nossa mudança. Deu um nó na garganta. Aos poucos do alto da minha inocência de criança fui me convencendo que de fato deixaríamos o lugar, aquela casa, os amigos, o nosso bananal, o quintal e aquelas dezenas de mangueiras de tão variadas espécies. 

O Casarão aos poucos foi ficando maior, na medida em que era esvaziado pelos arrumadores vizinhos, amigos, alguns vieram do Centro do Dé, dos Piaus, eram clientes de meu pai, com quem nutriam muito respeito e consideração, resultado de muitos anos de relações comerciais (seus nomes guardarei para um livro de memórias). Aqueles amigos, desde bem cedo estavam à disposição para carregar os carros. Gradativamente a casa foi sendo ocupada, por vizinhos, moradores de Graça Aranha, gente dos povoados... Ninguém acreditavam que o velho Martim Tavares e família estavam deixando a terra depois de tantas décadas, e após ter feito  tanto por aquele lugar.

Na verdade, a oficialidade nunca reconheceu, mas a gente simples, humilde e que em algum momento da vida precisou de um favor do velho comerciante, nunca deixou de reconhecer sua generosidade e honestidade. O choro dos que assistiam aquela movimentação era incontido, inevitável, afinal eram muitos anos de convivência. Lembro das vizinhas, das mulheres do interior que vieram para fazer comida, o almoço para todo aquele mutirão.

Eu ficava andando pela casa, em cada cômodo, triste, visitei cada parte, por várias vezes fui ao fundo do enorme quintal. Não conseguia compreender. Mas estava convicto que não tinha volta. O Carlos da Delta e o Gleisson do Jó (meus amigos de infância), me acompanhavam por toda a parte, pedindo para eu não ir embora. Quanta inocência! Absolutamente compreensível, afinal tínhamos 8 anos de idade. 

Os carros foram carregados, estavam prontos para partir, o almoço pronto, as pessoas participavam da última refeição naquela casa. Eu assisti sem nada comer, enquanto minha mãe, doava para as vizinhas e amigas alguma lembrancinha: um prato, uma panela, o simples copo. Quem lá estava não saiu de mãos vazias. Por  um momento, um clima de alegria e descontração que logo fora interrompido pela voz:

- Estamos no ponto. Vamos!!!!

Havia chegado o momento. Muitas faces, muitas lágrimas. Entrei no carro, os motores foram ligados. O Carlos foi último, se aproximou, estendeu a mão e disse: 

- Adeus, meu amigo!

Um aperto de mão, uns segundos de silêncio... 
E mais uma vez, o choro foi inevitável!


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