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sábado, 25 de março de 2017

MESTRE DODÔ - O MISTER CAVALHEIRISMO!!!

Por Jean Carlos Gonçalves.
Odílio Alves da Cruz, o Mestre Dodô.
Quando, em junho de 1987, visitei Tuntum pela segunda vez, acompanhado de meu pai, que veio com o intento de comprar uma casa para aqui fixarmos residência, hospedamo-nos na casa de tio Elesbão situada na rua Senador Vitorino Freire, lado oposto a Oficina de Mestre Elias. Na aurora de meus 8 anos, não tinha dimensão do que a vida reservaria, aliás não tinha essa preocupação ou consciência, o que é absolutamente natural, pois minhas “preocupações” consistia tão somente em brincar e admirar a cidade que em breve acolheria a mim e minha família, uma vez que, meu pai dissera que não retornaria à Graça Aranha sem antes, comprar nossa nova morada.

Em 1987, Tuntum levava uma vida bastante intensa. Ano em que a cidade recebeu muitos alagados, atingidos pelas águas da Barragem do Rio Flores. Centenas, milhares, deixaram os povoados e lugarejos do norte do município para morar aqui na cidade, o que fez surgir novos bairros, causando um verdadeiro inchaço urbano.

As ruas do centro eram muito movimentadas e isso chamava a minha atenção por demais, pois Graça Aranha, só tinha nome de cidade, na realidade era um lugar de cenário bastante bucólico.

Quando saía à calçada da casa do Tio Elesbão, brincando com o meu primo/sobrinho Maurício, além de muitos transeuntes, automóveis e caminhões carregados de arroz e milho que subiam e desciam a rua, flagrei um senhor, sentado à porta lendo um jornal impresso, que após breves segundos de uma pausa na leitura, permitiu que visualizasse completamente sua face. Mirei, fixei por uns demorados minutos aquele homem de cabelos já embranquecidos, tal qual seus sapatos, mas de rosto vívido e semblante risonho, que naquele intervalo da leitura, cordialmente, cerimoniosamente, cumprimentava, com apurados pronomes de tratamento, todos que ali passavam e que atendia pelo codinome de: MESTRE DODÔ!

O simpático e risonho velhinho, soube que meu tio recebia em sua casa um irmão e logo tratou de fazer embaixada, apresentando-se e dando as boas-vindas ao meu pai. Após uma breve conversa, com seu jornal em punho, se retirou e com a mesma elegância distribuía afáveis comprimentos a todos que no percurso encontrava. Observando aquele homem, a curiosidade aflorou e, transbordante, fez emergir uma pergunta que desde o dia anterior me corroía:

- Papai, aquele homem é médico? 

- Por que você pergunta Coronel? Indagou meu pai que sempre gostava de me chamar usando uma patente do exército (Seu sonho era que eu me tornasse um militar).

- Porque, papai ele só usa sapatos brancos!!!

Minha resposta causou risos de meu pai e de meu Tio Elesbão, que por sua vez, tratou de explicar:

- Ele trabalha na Justiça, acho que ajuda o Promotor. Ele não  é formado, não é doutor, mas é muito estudioso, ler muito e é sabido, por isso, deram o emprego para ele. Disse meu tio já em tom mais sério.

Um mês depois nos transferimos definitivamente para Tuntum e como eu era apaixonado por futebol, todos os domingos pedia dinheiro ao meu pai para assistir aos jogos no Estádio dos Padres, como chamavam o Dom Adolfo Bossi. Lá, além de assistir, grandes partidas de futebol da Associação e do Atalanta, testemunhei os dribles de Valber, Manelinho, os gols de Djó, Remy, os chutes de Elimar, Paulino, Vando e Andrezinho, vi a imponência de Nego Celino e categoria de Junior do Luizão, tal qual a elegância do ilustre torcedor, o Mestre Dodô, que de seu lugar reservado próximo a primeira trave (a da entrada, da bilheteria do estádio), assistia e compunha a tribuna de honra, ao lado de outros célebres torcedores como Ozano Saraiva, Mestre Quinca, dentre outros.

O curioso é que as vezes, no decorrer dos jogos, a bola “procurava” o Mestre Dodô, que demorava devolver, como quem queria ficar e levar para casa. Era também um grande apaixonado pelo futebol. Com um tempo soube (nas rodas de conversa, na arquibancada ou ao final dos jogos) que fora comentarista esportivo da Rádio dos Padres (Obra de Mestre Alderico na década de 1970), que transmitia os jogos, narrados pelo saudoso Júlio Dantas. Era intenso mesmo o Seu DODÔ, pois também as rodas de conversa revelaram que na condição de treinador e presidente de time aqui na cidade, dispensava muita atenção aos seus jogadores e organizava partidas com times de outras cidades, recebendo-os com toda hospitalidade, própria de um homem, diplomata nato, a personificação do CAVALHEIRISMO.

Entretanto, somente com a sucessão dos anos é que passei a ter uma melhor noção, ainda que imprecisa, da dimensão, da importância de Odílio Alves da Cruz, para a vida social de Tuntum desde que aqui chegou por volta de 1940, quando o vilarejo sequer sonhava com sua emancipação. Muitos apelidavam o lugar de Currutela, em referência a um lugar sem desenvolvimento, apesar do povoado Tuntum despontar como um dos mais importantes de Barra do Corda, e que em 1943, passaria aos domínios territoriais de Curador, atual Presidente Dutra.

Em 1940, o mundo assistia a Segunda Guerra Mundial, a avidez de Hitler para dominar o mundo e implantar o III Reich (o terceiro Império alemão), promover uma limpeza étnica e garantir a supremacia da dita raça ariana. O Brasil que vivia em plena ditadura de Getúlio Vargas, o chamado do Estado Novo, contraditoriamente, caminhava para o alinhamento com o bloco dos países Aliados contra os países do Eixo (Alemanha, Itália e Japão), e isso se define quando em 1943 os EUA entra na Guerra contra o Eixo, arrastando o Brasil para o conflito, devido ao seu vínculo com a Terra do Tio Sã. Mas o que isso tem a ver com Mestre Dodô? 

Bom, Mestre DODÔ é natural do vasto colonial território dos Pastos Bons, nascido em Colinas-MA (Picos, antigamente) em 26 de agosto de 1917, o filho único de Aldelino Cruz e Castro e Maria Pereira Araújo, que na época da Grande Guerra estava em plena idade militar e pode ter migrado para a Tuntum, devido o lugar se situar na Mata do Japão, região de mata exuberante e difícil acesso que muito atraia os moradores do sul maranhense, especialmente de Pastos Bons. Esses emigrados, além dos solos férteis para a lavoura, buscavam na Mata, um refúgio para perseguidos políticos e, em tempos de guerra, um abrigo mais seguro, para os homens jovens, que poderiam ser recrutados para as Forças Armadas. Não afirmo, que seja o caso de Odílio, até porque a ideia de busca da Terra Prometida, sempre prevaleceu ante a outros fatores de povoamento de Tuntum, como a própria possibilidade de recrutamento militar, que fez com que muitos homens fossem para os confins da Amazônia ou se embrenhassem na Mata do Japão.

O certo é que, conforme registrei acima, Mestre Dodô chegaria a Tuntum no início dos anos 1940, para exercer seu ofício de alfaiate, farmacêutico, enfermeiro prático, escrivão, delegado, juiz de paz, oficial de justiça e adjunto de promotor de justiça. Uma trajetória de vida intensa e gloriosa, coroada com as bênçãos de um prole numerosa, fruto de seus dois casamentos com as já falecidas Filomena e Júlia, as quais lhe presentearam com três e dez filhos, respectivamente. São eles: Gilza, Gilvan e Gilma, do primeiro casamento; e, Gilvanda, Gilda, Gildeci, Gildete, Gilberto, Gildemar, Gilson, Gildásio, Gilmar e Gilvanete, que em conjunto lhe renderam dezenas de netos e bisnetos, inclusive, quatro tataranetos. 
Gilvan Vieira Cruz, primogênito , do primeiro casamento de Mestre Dodô. Residente em São Luís-MA, é funcionário público aposentado.
Homem de muitos talentos e virtudes, que o escritor Remy da Mata, assim representa:
“O insigne cidadão chegou em Tuntum 1940 vindo das Chapadas do Alto Itapecuru, mais precisamente de Colinas, a Princesinha do Alto Sertão maranhense, cidade onde ele nasceu em 26 de Agosto 1917. Logo se tornou um aguerrido membro da sociedade tuntuense. Homem afável, bem humorado e progressista. Agenciou mudanças, transformara-se, pois, em figura exponencial. Um gigante ser humano, descomunal criatura, a serviço do bem, da virtude, da lealdade e da pertinência. Até o início da década de 70 em Tuntum não tinha médico, o Drº Adriano Berrospi residia em Presidente Dutra e Drº Armando, da cidade de Dom Pedro, atendia a nossa população aos sábados e domingo pelas farmácias da cidade. Seu Dodô e Zequinha enfermeiro cuidavam da saúde dos munícipes, eram uma espécie de médicos das famílias. Seu Dodô saía todas as manhãs com sua frasqueira levando os medicamentos para atender seus pacientes. O Anjo da Guarda da Juventude, tinha um estojo metálico de aplicar injeção com seringas de vidro, agulha de aço, antes de esterilizar para o seu uso, ele amolava as agulhas numa pequena pedra que fazia parte do seu gabinete médico móvel.”
Essa descrição de Remy da Mata, permiti-nos aguçar a sensibilidade para reconhecer a grandeza e importância do Lord Mestre Dodô e de suas inúmeras facetas e ofícios, cuja a mais destacável, talvez seja a de Adjunto de Promotor, emprego resultante de sua eficiência como cidadão atuante e de suas relações de amizade que impressionava a todos, inclusive, grandes personagens da política maranhense, a exemplo do saudoso Deputado Estadual, Federal e Governador do Maranhão, Eurico Bartolomeu Ribeiro, que defendeu e avalizou o nome de Odílio Alves da Cruz para o importante cargo. 
Nomeação de Odílio Alves da Cruz para cargo de Adjunto de Promotor de Justiça, assinado pelo Governador interino do Estado do  Maranhão, Eurico Bartolomeu Ribeiro. Publicado em 27/08/1956.
Certidão que atesta a posse de Odílio Alves da Cruz no cargo de Adjunto de Promotor de Justiça, em 31/08/1956. Documento assinado por José Ricardo Araújo, o primeiro tabelião da história de Tuntum.
Além de toda a sua vida ativa na esfera pública, Mestre Dodô, é reconhecido por também encarnar, no âmbito privado, o tipo de ideal de chefe paternal, provedor, protetor e orientador de sua numerosa família, pautando-se sempre na moral e nos bons costumes. Daí, a explicação de tanta preocupação de seus filhos para com o seu atual estado de saúde, mesmo os que moram distante,  ou se compreende o modo carinhoso e os cuidados que os filhos e netos que com ele residem ou estão mais próximos, especialmente, Gildeci, uma filha abnegada que, simbolicamente, encarna e justifica os cuidados que seu pai teve com todos no passado, o que faz emergir a velha máxima : "Se colhe o que se planta.". Além de Gildeci, hoje o Mestre Dodô, conta com  os cuidados de seus netos que criou como filhos, Eisenhover e José Luís, e também do carinho do bisneto Luan, filho de Eisenhover e Rita. Esta  também considerada como uma filha por Mestre Dodô.
Mestre Dodô ao  lado de Gildeci, filha do segundo matrimônio 

Gildeci amparando seu pai, com todo carinho possível, há cinco meses do centenário de Mestre Dodô.

Casal Rita e Eisenhover, o Zerral, neto de Mestre Dodô.

Na calçada de sua residência, exatamente
 onde o vi pela primeira vez, há 30 anos.

Hoje, 30 anos após o nosso primeiro encontro, retorno a mesma rua, para reencontrá-lo, agora não mais com aquela curiosidade de menino, mas com a admiração de um adulto para com a vida e obra do Grande Mestre Dodô, que às vésperas de completar um centenário de vida, não mais possui a mesma vitalidade de outrora, tão peculiar dele, todavia, com a lucidez suficiente para ainda interagir com seus interlocutores e com o mesmo cavalheirismo que o faz exalar altivez, polidez e gentileza.

Luan e José Luis, bisneto e neto, respectivamente.
Mestre Dodô aos 98 anos dando o nó na gravata de Luan, seu bisneto.
Sabemos bem, que um breve texto, não traduz com precisão tudo o que Mestre Dodô protagonizou em Tuntum. Entretanto, por tudo que fez e representa, o blog Ecos de Tuntum, faz ecoar aos tímpanos e retinas da nossa juventude, da nossa gente, este singelo registro de nossa admiração, respeito, reconhecimento e gratidão para com esse Grande Homem e Cidadão de Excelência!
Odílio Alves da Cruz, recebendo o título de cidadão tuntuense, do então vereador Salomão Barbosa, que mais tarde se tornaria prefeito de Santa Filomena do Maranhão.
Que a posteridade tenha a oportunidade de conhecer o grande exemplo de MESTRE DODÔ!!

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