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quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

A SAGA DOS FRADES CAPUCHINHOS EM TUNTUM - PARTE I


Por Jean Carlos Gonçalves

Quem ousar compreender, em grande parte, a constituição histórica de Tuntum, deve se debruçar sobre os arquivos da Igreja Católica e recorrer a memória oral dos que testemunharam e guardaram pelas gerações a imensurável legado que a Igreja e os frades franciscanos deixaram à posteridade. 
O pioneiros missionários capuchinhos na vasta Prelazia de São José de Grajaú.
  Da esquerda para direita: em pé, Emiliano Lanoti, Frei Marcelino, Frei Roberto ( que se tornaria posteriormente, Bispo), Frei Carmelo de Bréscia, Frei Heliodoro de Inzago. Sentado no centro, Frei Dom Roberto Colombo de Castallanza.
Ao longo da História, foram várias as ordens religiosas que se fizeram presentes em solo maranhense, entretanto, nenhuma delas, talvez tenha assumido o papel de sujeito histórico na dimensão dos frades franciscanos da Ordem Menor dos Capuchinhos.

Seus membros chegaram a São Luís em agosto de 1893 e no ano seguinte, estabeleceram-se em Barra do Corda, onde iniciaram um projeto de evangelização, junto aos índios. Por conta do crescente sucesso da missão, fundaram a Colônia do Alto Alegre, a qual em 1901, ficaria conhecida mundialmente, devido ao “Massacre de Alto Alegre”. Contudo, não é nosso objetivo aqui, discorrer sobre esse fatídico episódio, mas de referenciar cronologicamente, reconhecendo o fato como etapa constitutiva da saga dos missionários, que após o episódio de Alto Alegre, passaram a evangelizar as populações sertanejas, dando-lhes assistência não só espiritual, mas oferecendo-lhes ensinamentos para melhor resistir em  terras ainda praticamente inóspitas. 

Para melhor organizar as ações, a Igreja cria em 1922 a Prelazia de São José de Grajaú, abrangendo uma vasta extensão territorial do Maranhão, a qual Tuntum estaria integrado.


Mapa – Prelazia de São José de Grajaú
Fonte: NEMBRO, 1972.
É através da desobriga*, que os frades capuchinhos se aventuram pela exuberante floresta e se arriscam ante suas intempéries. Enfrentam animais de grande porte, ferozes e peçonhentos; doenças como a malária, gripe, febres, hanseníase, tétano e tantas outras próprias da floresta.


Geralmente montados em lombos de animais, e alguns circunstâncias a pé, percorriam centenas de quilômetros íngremes, transpondo riachos e correntezas, enfrentando obstáculos de toda a sorte para chegar até os mais isolados lugarejos e levar esperança às populações sertanejas.

A abnegação, o desprendimento, a renúncia, a caridade,  e, sobretudo, o amor, tão peculiar dos frades da Igreja, deve ser pelas novas gerações, objeto de conhecimento, reconhecimento, respeito e exaltação, pois trata-se de uma questão de JUSTIÇA, de honestidade histórica e não de proselitismo religioso.


Dom Adolfo Bossi num gesto espontâneo perante um leproso abandonado.
Segundo a tradição oral, em Tuntum, os evangelizadores se fazem presentes desde o início do século XX. Há relatos, de que no Sítio dos Carneiros (atual bairro Vila Mata) de propriedade da família Carneiro Santos, fora erguida uma capela coberta de palha para a celebração de missas, casamentos e batismos, durante as desobrigas.

São escassos os documentos escritos acerca de nomes e exato tempo cronológico do trabalho missionário  região que seria, posteriormente, o território Tuntum, que até 1943 pertenceu a Barra do Corda e daí, até 1955 a Presidente Dutra. Entretanto, analisando o que se tem, é possível concluir, evidentemente, que foram os frades estabelecidos na cidade de Barra do Corda que desenvolveram o trabalho desobriga  pelos lugarejo do sertão, incluindo Tuntum e Curador (Presidente Dutra), importantes povoados barra-cordenses no final da década de 1920. 

Nas primeiras décadas do séculos XX, o nome de alguns frades podem ser considerados, como: Frei Roberto de Colombo, Frei Carmelo de Bréscia, Frei  Eliodoro de Inzago (vide fotografia abaixo), Frei Emiliano Lonati, Frei Marcelino de Milão, Frei Carmelo de Primolo. Na terceira década destaca-se Frei Adolfo Bossi, e nos anos 1940 Frei Renato e Frei Dionísio, ambos inauguraram em 1949, a Paróquia de São Sebastião em Presidente Dutra. 


Na parte superior da fotografia, pode-se lê:
"Curador - Barra D. C.1929
- transpostando tijolos pª ??????
da Capela
Fra Hiliodoro de Inzago"


No anos 1950, surge de modo mais efetivo em Tuntum, o próprio Frei Dionísio Guerra, Frei Aquiles, Frei Rogério Beltrami, Frei Liberato, Frei Pedro Jorge (este seria o primeiro pároco da Paróquia de São Raimundo Nonato, criada em 1959). Esses atuaram incansavelmente, na construção da Igreja Matriz e de outras obras de vulto em Tuntum.

Entretanto, existe uma fonte valiosíssima, que nos oferece uma noção mais precisa da saga dos frades franciscanos: A Carta de Frei Adriano de Zânica de 1931. A mesma faz referência ao Frei Carmelo de Bréscia, falecido no povoado Canafístula (dos Pacas) em 1925 acometido de malária. Na Carta, Zânica relata: 
“Paramos na primeira palhoça que encontramos, pois a prudência pede não sermos demasiado afoitos em viagens noturnas pela mata. Foi justamente perto deste lugar chamado Canafístula que o nosso querido co-irmão Fr. Carmelo de Bréscia encontrara a morte seis anos antes.” (Zânica, 1931, s/p)
Frei Carmelo Pasini de Bréscia
(1886-1925)

No livro “...Saíram para semear...”, lançado em 1993, por ocasião do centenário da chegada dos Frades Capuchinhos no Brasil, apresenta o frei Carmelo de Bréscia como grande símbolo dos missionários desobrigantes que deram a vida pela causa do Evangelho de Cristo. 
“Frei Carmelo evoca-os a todos, não porque seja o mais esperto ou o mais santo – somente Deus pode estabelecer graduações e assinalar os primeiros lugares –; não porque tenha gastado muitos anos nessa itinerância – com dificuldade conseguiu juntar 4 –; mas porque pagou o preço mais alto, morreu – e quanto tragicamente! – ministrando esse serviço às almas...
Morreu na imensa solidão da floresta numa choupana miserável, assistido piedosamente pelo seu sacristão que segurava a última vela, por um menino de 15 anos e por um velho paralítico, dono do casebre... Morreu aos 39 anos, atassalhado pela malária que levava no corpo há muito tempo, longe dos co-irmãos e das irmãs que poderiam cuidar dele ou, ao menos, aliviar seus sofrimentos...” (CONVENTO DO CARMO, 1993, p. 169)
Nota-se uma representação, que ratifica a eloquência discursiva e literária própria dos intelectuais da Igreja, carregada de sentimentos de exaltação à figura dos abnegados capuchinhos, que Carmelo de Bréscia se torna ícone.

As distâncias nas viagens em  desobrigadas, em geral, eram feitas em montarias
Com o crescimento gradual o povoado Tuntum, a presença dos missionários, foi cada vez mais regular, sempre contando com as montarias de mulas e burros, animais mais resistentes, para as longas jornadas em desobriga, ou, conforme as circunstâncias, utilizando-se até de jumentos e cavalos. A montaria como meio de transporte resistiu até a década de 1980, no período chuvoso. Os velhos jipes e emblemáticas Toyotas Bandeirantes assumiriam posteriormente, o papel nas desobrigas.


Desse modo, os frades “saiam para semear” o Evangelho, a fé, a esperança, a caridade, o amor, representado no assistencialismo, caridade e compaixão para com os idosos, crianças, mulheres, enfermos, em fim, ao sertanejo, levando medicamentos, noções de higiene, amenizando o sofrimento das almas do nosso Sertão.

* "A palavra desobriga é uma própria palavra da língua portuguesa e significa: 1) dispor o fiel ao cumprimento de um ônus de consciência. No caso o dever da Confissão e da Comunhão anual; 2) Estratégia missionária, nascida do zelo corajoso e criativo, conatural à pastoral e ao número de agentes pastorais naquele tempo; 3) experiência pastoral empregada sobretudo nos sertões do Maranhão. Antes das chuvas o vigário cooperador das paróquias do centro embrenhavam-se nos sertões, acompanhado do sacristão. Iam e a estrada, mesmo que o sacristão esquecesse, os burros veteranos sabiam decorado, abreviando distâncias através de veredas indistinguíveis." CONVENTO DO CARMO, SÃO LUÍS DO MARANHÃO, 1983)

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