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domingo, 29 de janeiro de 2017

OS 99 ANOS DO NASCIMENTO DE MARTINHO TAVARES

Matinho Gonçalves de Almeida aos 32 anos
No limiar aurora de meus dourados anos, na bucólica Graça Aranha-MA, os quintais verdejantes testemunharam uma infância (feliz), que saudosamente meu pensamento agora corteja, para o deleite de minha própria vaidade ou para dá sentido ao que agora sou.

Como era bom viver aquela época em que não se precisava saber definir a própria palavra felicidade. Não precisava de relógio, o tempo passava vagarosamente, prazerosamente, igual um delicioso prato que lentamente se degusta. Como demorava chegar o Natal, como melhor eram aqueles presentes...

As lembranças permanecem na memória, aliás vivíssimas, uma vez que, não tenho como não lembrar de meu velho saudoso pai. Pois, apesar das brincadeiras, dos amigos, das mangueiras e bananais, se eu tiver que resumir a minha infância numa palavra, esta seria sempre: PAI. Nesse retorno ao passado, se apodera de mim, um misto de prazer pela saudade dos tempos idos e bem vividos, em que tive meu pai como o ícone que sintetiza aquela fase feliz, com a nostalgia (saudade com dor) de não tê-lo mais entre nós. Como eu queria que ele tivesse realizado seu grande sonho de me ver adulto e agora dizer o que não tive tempo ou maturidade para dizê-lo.

Meu Velho, era homem de seu tempo, mas ao mesmo tempo estava à frente, com virtudes valorosíssimas que tanto foram e são a minha bússola, e algumas limitações próprias de todo ser humano.

Se entre nós estivesse, Martinho Gonçalves de Almeida, o Martim Tavares, completaria nesta segunda, 30 de janeiro, 99 anos de idade. Nascido no povoado Bacuri dos Tavares, em 1918, atual município de Barão de Grajaú-MA, foi o quarto filho do casal Francisco Tavares de Almeida e Joana Gonçalves de Almeida, que tiveram mais seis: Maria, Elesbão, Benta, Gregório, Josefa e Mariano.
Certificado de alistamento militar, 1950.

Forjado no labor do sertão do antigo Bacuri, fundado por nossos antigos ancestrais oriundos do Ceará desde a segunda metade do século XVIII. Entregue desde cedo a uma vida de trabalho árduo, o menino se fez homem altivo, aguerrido e um exímio mestre em tudo que se dedicou, desde a lida da roça, a arte de construir engenho de moenda, além de hábil comerciante, embora tenha frequentado aulas de alfabetização por apenas um mês, era dono de uma bela caligrafia e um excelente matemático. 

No início da década de 1940, o vigoroso Martinho, respeitado e admirado por todos no Bacuri e arredores, já era um abalizado comerciante no povoado. Contrai enlace matrimonial com a jovem Maria Francisca da Conceição Correia, que após o casamento passa a assinar Maria Francisca de Almeida. Em 1943, o casal recebe como dádiva a primeira estrela da constelação de suas cinco Marias: Maria Creuza, "Maria" Angelina, Maria Albertina, Maria do Socorro e Maria Dalva. Além do aguardado Sebastião, único varão do casamento.

Em 1948, consorciado como um amigo, compra o primeiro caminhão do povoado, uma proeza fabulosa para os habitantes do lugar. Em poucos anos, se desfaz do bem e decide deixar sua terra natal e rumar para a Mata do Japão, itinerário seguido por um grande número dos sertanejos do sul do Maranhão. O ousado Martinho, queria um novo lugar para prosperar e que lhe desse melhores oportunidades para exercitar sua atividade de trabalho preferida, o comércio. 
Caminhão Ford F6 1948, modelo similar ao que Martinho Tavares comprou em 1948 

Então, deixa o Bacuri em 1952 e fixa moradia no Centro dos Periquitos, nome dado pelos seus primeiros moradores devido à grande quantidade do pássaro, posteriormente, o topônimo fora substituído por iniciativa de um padre, insatisfeito com a pronúncia distorcida que alguns moradores faziam, causando desconforto ao religioso e àqueles que defendiam a moral e os bons costumes. Depois de um plebiscito capitaneado pelo padre Eurico Bogéia, o lugar passa a ser denominado Palestina, em alusão a Terra Santa no Oriente Médio. 
Antiga Igreja de Nossa Senhora de Fátima em Graça Aranha
Em 1959, Martinho Tavares já havia se consolidado como comerciante, além de acumular a função de delegado na povoação. Época em que não havia sala de custódia e os criminosos eram combatidos e presos em verdadeiros atos de coragem e valentia. Uma vez preso, o infrator era posto a ferros e amarrado a árvores, até ordem superior do próprio delegado que, em geral, era o único agente da lei no lugar. Ainda em 1959, o povoado seria elevado à categoria de sede do município com o nome de Graça Aranha, desmembrando-se de São Domingos. O novo topônimo fora em homenagem ao poeta maranhense, nascido em 1868 e que fora um dos destacáveis intelectuais que protagonizaram a Semana da Arte moderna em 1922, em São Paulo-SP.

Em 1963, Tavares, ajudaria a protagonizar as primeiras eleições majoritárias do recém criado município, concorrendo ao cargo de vice-prefeito numa chapa encabeçada por Hilton Bonfim, o Beleza, seu amigo e vizinho. Entretanto, não obtiveram êxito, pois a maioria elegeu para prefeito Nacor Rolins, primo de Martinho, mas históricos adversários políticos, inclusive com rugas pessoais. O dado curioso nessas eleições é que o voto para prefeito e vice-prefeito era feito em separado e Tavares obteve mais voto do que seu companheiro de chapa.

Dando prosseguimentos aos negócios, Martinho se destacava cada vez mais como um importante comerciante na cidade e adjacências. Comprando gêneros alimentícios juntos aos lavradores da região como algodão, milho, arroz e, principalmente, amêndoa de babaçu e vendendo produtos industrializados como açúcar, café, rapadura, biscoito, margarina, sabão, soda cáustica, querosene, vela, moinho para café, ferro de passar, motor-rádio, máquina de costura, etc. Aos domingos, dia de feira livre na cidade, sua casa comercial e residencial eram bastante movimentadas, pois recebia os clientes da zona rural.
O casal José Ribeiro da Silva e Adalgiza Almeida da Silva,
clientes de Martinho Tavares, nos anos 1950-1960.
Moradores do Povoado Cruz, município de Gonçalves Dias.

Residente no povoado Araras, Tuntum, Dona Adalgiza até hoje costura numa máquina marca
Vigorelli, comprada no comércio de Martim Tavares em 1960.

Entretanto, Tavares, em 1965-66 sofreria um revés que marcaria sua vida. Aos 48 anos, o homem até então vigoroso, ficaria deficiente de sua perna direita, devido a um tumor que infeccionou e que não recebeu os cuidados devidos. Em tratamento, na cidade de Codó-MA, sob os cuidados do renomado médico Dr José Ancelmo, Martinho passaria vários meses no leito de um hospital. Lembro-me que nosso pai sempre se queixava de que: “Dr José Alnselmo foi assistir a posse do José Sarney que se elegeu para governador do Maranhão em 1965 e deixou um médico estagiário inexperiente para cuidar de mim e a perna infeccionou, quando se deram conta estava sem jeito.”

Se tinha razão ou não em suas lamentações, o fato é que nosso pai perdera a perna, uma vez que, foi retirado os músculos da região do perônio (fíbula), comprometendo seus movimentos de locomoção. Além disso, no intervalo de tempo em que esteve hospitalizado, seu gerente aplicou-lhe um golpe, tomando rumo ignorado, o que levou à ruína seu empreendimento. Acrescente-se a tudo isso o diagnóstico de diabetes, que o induziu por 35 anos a uma vida de alimentação regrada. Contudo, Martinho nunca se reclamou da vida, buscando sempre se reerguer, porém como negócios mais reduzidos e como sua limitação física continuou trabalhando com otimismo e perseverança. 

Por aquela época a casa de Martinho já contava com a presença do infante Antônio Humberto, que havia sido adotado com 20 dias de nascido, em 1963. Esse fora reconhecido e registrado em cartório civil como filho legítimo, e sempre tratado como biológico.

Embora não tenha tido a oportunidade de estudar, nosso pai, sempre valorizou muito o saber, e muito incentivou seus filhos a trilhar pelos estudos. Quando aconteceu os infortúnios, alguns dos seus já haviam partido para outras cidades em busca de melhores estudos.

No ano de 1976, inesperadamente, Maria, sua primeira esposa, falece vítima de uma parada cardíaca. Dois anos depois, casou-se pela segunda vez, com Lenir Rodrigues Vieira, e em 1979, na alcova de sua casa na Rua Nossa Senhora de Fátima, nº 262, em Graça Aranha, em parto realizado pela Mãe Eunice, a parteira, proprietária de uma farmácia, localizada na mesma rua, vem ao mundo este inábil escriba. Era uma terça feira, 13 de março, noite de lua nova, a qual cheguei sob os estampidos de revólver calibre 38. Era costume comemorar a chegada de um filho daquela forma, ainda mais depois de todas as perdas sofridas, ser novamente pai aos 61 anos de idade. Imagine a alegria do velho?

Conto tudo isso porque, conforme disse anteriormente, meu pai foi o maior expoente de minha infância e cresci ouvindo dele todos esses fatos até aqui narrados e tantos outros pitorescos que não terei como relatar aqui. Quem sabe no centenário de seu nascimento?

Lembro que eu era ainda bem pequeno, minha mãe, trouxe para nossa casa minha irmão Clenir, filha de seu primeiro casamento e que vivia com a vó. Apesar de chegar ainda bem pequena, ela nunca chamaria Martinho de “pai”, dizem que eu não permitia. Eu, honestamente não lembro disso. Daí Clenir passou a chama-lo de Padrinho. Mas nosso pai terminou se apegando muito a ela.

Em Graça Aranha vivemos até 1987, quando migramos para Tuntum, onde mesmo idoso, nosso pai, continuou fazendo o que mais gostava, comerciar. No dia 26 de junho de 1992, meses após ser diagnosticado com cirrose hepática, o Velho Martim Tavares viria a óbito.

Seus últimos anos foram de vida modesta, sempre disciplinada ao rigor, devido a sua condição de diabético. Dormia cedo da noite e bem mais cedo acordava para abrir sua bodega. Mesmo considerado homem de temperamento forte, intempestivo, sua casa não faltava gente, se não fosse para comprar algo, seria para receber informações. Nosso pai não perdia um noticiário. Pelo rádio ou pela TV, estava inteirado dos assuntos políticos, econômicos, e, sobretudo, previdenciários. Era um verdadeiro porta-voz dos acontecimentos do Brasil e do mundo. Era um homem altamente politizado. Havia dias que formava uma fila de idosos para consultá-lo sobre aposentadoria, dia de recebimento de benefícios, dentre outros assuntos.

Cartão de pagamento de benefício de auxílio doença,
do INPS, atual INSS, por conta da perda da perna direita. 
Costumo dizer, que apesar de nosso pai muito incentivar para que nos dedicássemos aos estudos, aprendi com ele, e não nos bancos escolares, os valores da honestidade e da sinceridade. Ainda assim, não esqueço o tom de sua voz embargada, que tomada de emoção asseverava: “Estude pois é a única coisa que posso te deixar. Sou um velho aleijado, não tenho condições de te ensinar a trabalhar noutro ramo, então estude.”. 

Em cada data de seu aniversário, há dias se encontrava confinado num gradeado um enorme capão, reservado para o almoço em comemoração de sua nova idade, em ritual solene e cerimonioso. Mandava trocar engradado de refrigerantes (era chique tomar refrigerante naquela época), que ele mesmo nunca bebia. Todo dia 30 de janeiro, mais do que qualquer outra data do ano, era um dia de muita reflexão, meditação. O queixo ficava trêmulo, algumas lágrimas corriam sua face, proferia palavras que ratificava sua trajetória de luta e trabalho incessante, de sua fé em Deus, e dos valores que sempre cultivara. Seu discurso parecia um prenúncio do fim de sua trajetória nós, mas sem, contudo, perder a altivez tão própria dele.

Há quase um séculos de seu nascimento, permanece as boas lembranças e o legado de seus ensinamentos, muitas vezes incompreendido, mas sempre pautado em grandes valores, cuja honestidade é a maior expressão de ser caráter incólume.

A mim cabe o desafio e compromisso de não permitir que sua trajetória caia no esquecimento. Meu maior medo é deletar da memória sua fisionomia, a rigidez de seu rosto, as ideias firmes e convictas em que acreditava, mesmo não concordando com algumas delas, ou silenciar na minha consciência o timbre de sua voz, que tanto materializou sua postura rígida da educação inexorável que dispensou aos seus.

Nesta data é inevitável os sons, os ecos de sua fala em nossa memória:


IMPERATIVOS

Coronel Jean, venha aqui. 
Tenho uma missão para o senhor.
Faça isso... Faça aquilo.
Hora de tomar banho.
Não se senta à mesa sem camisa.
Rezar antes e depois das refeições.
Tem que agradecer a Deus.
O homem tem que ser temente a Deus.
Hora de almoço e janta é sagrado.
Todos tem que começar ao mesmo tempo.
Não se dá trabalho para quem está na cozinha.
Já fez a tarefa do colégio?
Sente aqui. 
Teu lugar é aqui no comércio perto do de mim.
O comércio é uma escola. Tem que aprender negociar.
Aqui vou te ensinar a ser HOMEM com H maiúsculo.
Hora de tomar água e deitar, pois amanhã há muito o que fazer.
Levante! Hora de levantar! 
“Os pássaros não devem nada a ninguém, faz horas que cantam...”
Tudo que faço é para o teu bem. Não me contrarie.
Obedeça-me, que você será feliz.
Meu Grande Herói ...!
Teus inesgotáveis imperativos,
Tão incompreendidos em minha aurora
Somente a sucessão das primaveras torna
Signos melhor decifráveis,
Reconhecidamente toleráveis e tão necessários
Como as águas de março.

Um dia talvez eu seja 10% de seu caráter...Aí poderei dizer que me aproximei de ser o Homem que o meu pai gostaria que fosse.

Enquanto não me torno, agarro-me as minha lembranças e digo-lhe: Obrigado por tudo meu pai! Que DEUS Nosso SENHOR, em sua infinita bondade e misericórdia te presentei com a vida eterna, pois antes de tudo foste na Terra um Homem de bom coração.

Saudade!!!

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