Por Jean Carlos Gonçalves
Ao contrário do que a maioria equivocadamente pensa, a região sul do município, que possui aspectos naturais típicos de cerrado, até por considerarmos como uma extensão da paisagem natural do antigo “Pastos Bons”, fora a primeira parte do território desbravada e ocupada pelo colonizador, ainda no primeiro quartel do século XIX. Muito embora, sejam raríssimas as obras, os livros, os documentos, enfim, fontes históricas que tratem da ocupação inicial e povoamento do município de Tuntum. As referências escritas existentes são muito vagas e imprecisas, exigindo, portanto, bastante acuidade.
A matriz de todo pesquisador que se propõe a conhecer o processo de formação histórica do sertão maranhense é a grandiosa e memorável obra “O Sertão” de Carlota Carvalho. Publicada originalmente em 1924, autora além de tratar sobre a vasta região de Pastos Bons, também faz um relato épico sobre a ocupação e povoamento de parte daquilo que mais tarde, acreditamos, viria a ser território de Tuntum e, que nos permite, ainda que sem exata precisão cronológica, reconhecer a ocupação meridional como a mais antiga do município.
Carvalho em sua obra, narra a saga dos perseguidos políticos durante os episódios, que marcaram o processo de construção do Estado Nacional, inclusive os ocorridos posteriores à Independência, (principalmente a Confederação do Equador de 1824). Os insurgentes buscavam nas matas do sertão maranhense o refúgio e a tranquilidade negada pela tirania do governo imperial:
"Um dos muitos lugares em que os refugiados se domiciliaram foi o Campo Largo, arraial e campo do mesmo nome entre os riozinhos Alpercatas e Capim, este tributário do Mearim, no qual entra com o nome mudado em Corda, e o outro é o principal formador do Itapecuru.
Em 1823-1825 o povoado ou arraial Campo Largo já era populoso e nele havia, para o sexo masculino, uma escola que era ensinada leitura, escrita, aritmética, gramática e latim.
A figura principal era o cearense Diogo Lopes de Araújo Sales, que foi chefe político da Chapada.
Sob os auspícios dessa figura primacial, meu avô, José Joaquim de Carvalho. Baiano, natural da vila Santa Rita do Rio Preto, comarca da Barra, fundou a dita escola no interesse de ensinar também a seus filhos mais velhos, então meninos, Benício, José Irineu, Antônio e Miguel, meu pai." (CARVALHO, 2004, p.101).
Este relato é uma importante fonte de informação, não somente pelo que concerne ao povoamento inicial do que mais tarde seria Tuntum, mas também sobre o contexto político vivido no Brasil durante o processo de independência e Primeiro Império, marcado pela instabilidade político-social e, sobretudo, por incertezas vividas pelas populações dos mais longínquos rincões brasileiros, tendo no Campo Largo o domicílio preferido dos refugiados (Coelho Netto, 1979).
Com relação a primazia da ocupação pelo colonizador, podemos concluir que a parte sul do atual município tem merecido destaque, visto que o aludido Campo Largo está incluso no território de Tuntum desde a sua emancipação em 1955. Quando Diogo Sales fundou o povoado, suas terras pertenciam ao vasto território colonial de Pastos Bons, posteriormente Grajaú, mais tarde Barra do Corda, Presidente Dutra e finalmente Tuntum.
Dunshee de Abanches, outro importante memorialista em “A esfinge do Grajaú” reforça sobre o contexto das perseguições enfatizando:
"Foram em geral perseguidos atrozmente e tiveram que homiziar-se em Pastos Bons e outros pontos dos altos sertões maranhenses onde muitos se fixaram, constituindo famílias numerosas e honradas. Um desses emigrados, José Joaquim de Carvalho, filho da Bahia, homem culto e probo, estabeleceu-se em Campo Largo [...]."(ABRANCHES, 1993, p. 100).
O “Campo Largo é um marco da penetração e do povoamento, sob a orientação de Diogo Lopes de Araújo Sales” (Coelho Netto, 1985, p. 145). Esse personagem se destacaria posteriormente por ocupar lugar de destaque na agitada vida política dos sertões, principalmente, na Chapada (hoje Grajaú) para onde se deslocou com sua família anos mais tarde. Sobre esse desbravador e seu engajamento político nos sertões maranhenses, Abranches registra:
"Emigrado de sua província natal (o Ceará), estabelecera-se este em Campo Largo, região que mais tarde faria parte da Comarca da Barra do Corda. Audacioso e possuidor de certa instrução, enriquecera rapidamente; e, abrindo aí uma escola para os seus escravos e conterrâneos que nessas terras vieram se fixar fugindo das secas, [..]." (ABRANCHES, 1993, p. 117).
Além da postura política desse desbravador, outro ponto destacável seria a sua preocupação com a educação de seus pares e também de escravos (Op. cit. CARVALHO), indício de uma vida social “intensa” no Campo Largo, ou mesmo, de sua formação ilustrada. Outro dado curioso e passível de mais apurada análise, é a inclusão de cativos, algo no mínimo atípico para a época e que pode ser um expressivo indício de uma particularidade nas relações entre senhores e escravos no sertão maranhense. Elementos estes que podem colocar esses pioneiros na categoria daqueles ilustrados embebidos do ideário do liberalismo, ainda que adaptado ao contexto brasileiro, em expansão desde meados do século XVIII e que teria norteado os independentes e também os rebelados da Confederação do Equador em 1824.
Profº Leno Carlos, Sr Josué Simpaúba, morador do Campo Largo e Profº Jailton Santana FONTE: GONCALVES, 2008. |
Ainda sobre Diogo Lopes sabe-se que “(...) torna-se rival do chefe da Chapada (Militão Bandeira Barros). E as rugas partidárias não tardariam a degenerar as rixas odientas entre famílias, servindo a política de pretexto para vinganças pessoais, assassínios e depredações de propriedades”. (Abranches, 1993, p. 117). O fato mais marcante dessa rivalidade ocorreu quando da prisão de Militão, pois o mesmo declarou a República dos Pastos Bons, tendo sido aprisionado por Diogo Lopes, então chefe do partido conservador na Chapada (Grajaú). Outro capítulo importante dessa disputa entre os coronéis se deu durante a Balaiada, quando Lopes fora um dos principais comandantes socós (conservadores) e rechaçara os bem-te-vis que no sertão tinha sua maior expressão em Militão.
Voltando a questão do Campo Largo como marco inicial da ocupação do território tuntuense, Maria do Socorro Coelho Cabral em “Caminhos do Gado – Conquista e Ocupação do Sul do Maranhão”, discorrendo sobre Carlota Carvalho lança a assertiva: “No início do século XIX, seu avô paterno, José Joaquim de Carvalho, veio estabelecer-se no Maranhão, em Campo Largo, na época pertencente à ribeira do Grajaú, no distrito de Pastos Bons”. (Cabral, 1992, p.41).
O termo “ribeira do Grajaú” pode causar dúvida quanto à localização do Arraial de Campo Largo, porém preferimos aqui entender que Cabral se referia ao vasto território de Grajaú, visto que a própria Carlota é clara quando afirma, conforme citamos anteriormente: “o Campo Largo, arraial e campo do mesmo nome entre os riozinhos Alpercatas e Capim, este tributário do Mearim, no qual entra com o nome mudado em Corda, e o outro é o principal formador do Itapecuru”.
Galeno Brandes, historiador barra-cordense advoga a mesma ideia: “A sudeste da Vila de Santa Cruz de Barra do Corda, pelas cercanias da estrada que conduzia ao famoso povoamento do Campo Largo, ribeirinho do Alpercatas [...]”(Brandes, 1994). Deste modo, não há dúvida de que o Campo Largo citado por Carlota Carvalho é o mesmo povoado situado às margens do rio Alpercatas no extremo sul do atual município de Tuntum.
Ainda sobre o Campo Largo, Galeno Brandes, aponta uma monografia escrita na década de 1930 sobre Barra do Corda e de sua ligação via terrestre por uma antiga estrada carroçal, considerada a primeira a ligar Barra do Corda a Mirador, Fazenda Picos (origem da cidade de Colinas), Caxias das Aldeias Altas, e outros. Essa estrada compreendia de Barra do Corda ao Campo Largo num percurso de aproximadamente 100 km passando por vários lugarejos, pela seguinte rota: Missões – Belém – Olho D’água – Escondido – Bacury – Jacaré – Inhuma – Corrente – São Joaquim – Santa Rosa – Campo Largo. Assim, identificamos também outros importantes povoados do município, como é o caso dos centenários São Joaquim dos Melos (hoje distrito de Tuntum) e Santa Rosa.
Brandes defende ainda em sua obra “Barra do Corda na história do Maranhão”, que o fundador de Barra do Corda – Manuel Rodrigues de Melo Uchoa, percorreu o referido trajeto antes de chegar ao seu destino final, bem como os “[...] acossados pelas secas e rechaçados pelas lutas que se processaram em todo o País – Guerras de Independência – e até mesmo pelas di Oisputas entre Coroa e a Província, na ocupação das terras férteis e livres”. (Brandes, p. 87, op. cit). O autor não só reitera a tese das perseguições como fator motivador da ocupação e povoamento, como também aborda sobre as secas que em diversos momentos de nossa história fora, indiscutivelmente, como importantes fatores de povoamento da região, conforme discorreremos oportunamente.
Atualmente, o secular arraial do Campo Largo se resume a uma meia dúzia de habitações, pois perdera sua importância como “portal de entrada” para os bandeirantes e boiadeiros que partiam do sul do Estado transpondo o Rio Alpercatas rumo às feiras de Caxias, Campos das Pombinha (próximo a Itapecuru) e São Luís, sendo relegado ao abandono, ao isolamento, cuja relevância histórica não se apagou de nossa memória, graças aos nossos mais célebres historiadores e memorialistas.´
Localidade Brejo da Cobra, próximo ao Campo Largo, 2008. |
Brejo da Mucura, Povoado Já Vem, 2008. |
Garimpando referências e pistas sobre a ocupação e povoamento do centro-maranhense no primeiro quartel do século XIX encontramos outro importante registro:
[...] é feita no médio Maranhão, entre as matas do Japão e do Nascimento, por nordestinos, vítimas de perseguições políticas, que através de Pastos Bons, atravessaram o Alto do Itapecuru e rumo adentro do território maranhense, num verdadeiro bandeirantismo, ficaram na região onde havia brejos e lagoas nos municípios, hoje, de Presidente Dutra, Dom Pedro, Gonçalves Dias, Tuntum, Graça Aranha e São Domingos. (COELHO NETTO, 1985. p. 143)
Isto só confirma o que inicialmente apresentamos: a parte central do Maranhão, na qual está localizado o município de Tuntum, tem seu povoamento inicial, a partir de Pastos Bons como portal de entrada, em que perseguidos políticos adentram o atual território de Tuntum no contexto de consolidação do Estado Brasileiro, período este, marcado por profunda instabilidade política e social.
Coelho Netto em sua “Geo-História do Maranhão” também destaca um importante movimento da História do sertão maranhense ainda pouco estudado, mas que pode servir como elemento de explicação no panorama conturbado dos primeiros anos de nossa emancipação política – “A República de Pastos Bons”:
[...] embora que não passasse do terreno das idéias, mas mesmo assim veio merecer toda a atenção do Governo que em circunstanciada Exposição de Motivos do Ministro da Justiça obrigariam a S. M. o Imperador a lançar mão de medidas enérgicas, ordenando pelo decreto de 27 de fevereiro de 1829, na conformidade do art. 179, § 15 da Constituição, a suspensão ali provisoriamente das garantias e liberdade individual, a fim de que por meio se pudesse ter o verdadeiro conhecimento da extensão que poderia ter aquele atentado, como prevenir o progresso. (COELHO NETTO, op. cit).
Percebe-se deste modo, a preocupação das autoridades imperiais com a insatisfação da população sertaneja ante a política autoritária do Primeiro Reinado, a qual Carlota Carvalho denominou: “morte paternal”, e que as medidas repressivas, levaram famílias sertanejas a buscarem uma vida mais tranquila nas terras que correspondem hoje aos municípios da região, na qual Tuntum se insere.
Outro movimento social que pode ter contribuído para a ocupação dessas paragens, foi A Balaiada (1838-1841), pois se sabe que este acontecimento histórico foi motivado também pela insatisfação de vários segmentos populares dos sertões maranhenses com o governo imperial e pela estrutura socioeconômica em que se encontravam durante o Período Regencial (1831-1840). A historiografia registra sobre a campanha repressiva, implacável e sanguinária promovida pelo Estado e chefiada por Luis Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias. É muito provável que os balaios em fuga tenham adentrado pela floresta mais densa – a nossa Mata do Japão.
Outra pista que pode subsidiar em “nossa aventura”, (às vezes quase que no escuro), sobre a ocupação dos domínios pertencentes atualmente a Tuntum, foi o papel assumido por Manoel Rodrigues de Melo Uchôa, considerado fundador de Barra do Corda em 1835, e que, a partir de então, passou a exercer o papel de autoridade política local e representante do governo da Província do Maranhão, sendo que uma de suas atribuições era distribuir terras aos emigrados, principalmente cearenses e piauienses, que vinham para habitar a região. Considerando que a esta época o território de Tuntum era uma terra quase totalmente inóspita e sob o domínio de Barra do Corda, certamente Melo Uchôa, além de conceder terras para os emigrantes, também, obviamente, distribuiu glebas entre membros de sua própria família. Para isto, serve como indício, o antigo povoado de São Joaquim dos Melos, localizado na parte sudoeste de Tuntum, e que até nos dias atuais ainda vivem descendentes dos Melos, Milhomens e Carvalhos, e inúmeras outras que se entrelaçaram e até hoje protagonizam a vida sertaneja do Médio e Alto Sertão de Tuntum-MA.
Assim sendo, é preciso reconhecer a primazia da ocupação do sul do município, posto que o povoado Tuntum, teve sua ocupação inicial por volta de 1890, com a chegada de José Naziozeno. Desse modo, tal reconhecimento é importante, necessário e oportuno, pois coloca o Sertão, a Região das Areias de Tuntum, no seu devido lugar de importância na constituição histórica do município de Tuntum.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABRANCHES, Dunshee de. A esfinge do Grajaú. – 2º ed. São Luís: ALUMAR, 1993.
BRANDES, Galeno Edgar. Barra do Corda na História do Maranhão. – São Luís: SIOGE, 479 p., 1994.
BUZAR, Benedito. Vitorinistas e Oposicionistas. – São Luis: Lithograf, 2001.
CARVALHO, Carlota. O Sertão: subsídios para a história e geografia do Brasil. 2ª ed. – Imperatriz: Ética, 332 p., 2000.
COELHO NETTO, Eloy. Geo-História do Maranhão. São Luís, SIOGE, 396 p. 1985.
CABRAL, Maria do Socorro Coelho. Caminhos do Gado: conquista e ocupação do Maranhão. – São Luís: SIOGE, 1992.
Um comentário:
Excelente trabalho!
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